top of page

19 itens encontrados para ""

  • Socialismo e Religião

    por Anton Pannekoek, 1907 I Se tentarmos encontrar uma explicação para a relação mútua entre socialismo e religião na atitude prática de porta-vozes religiosos e nos discursos e escritos de socialistas, acreditaremos facilmente que, neste aspecto, predominam um grande mal-entendido, confusão e contradições internas. De um lado vemos que muitos trabalhadores, quando se juntam às fileiras socialistas, também descartam qualquer fé teológica que possuam e frequentemente combatem a religião ferozmente; ademais, o conjunto dos princípios que constituem a base e a força do socialismo atual, e juntos formam uma concepção de mundo inteiramente nova, permanecem opostos à fé religiosa de forma irreconciliável. De outro lado, vemos adeptos fiéis do cristianismo, até padres, reivindicando o socialismo precisamente por conta de seus princípios cristãos e se reunindo sob a insígnia do movimento operário. E, o que é ainda mais significante, todos os agitadores e todos os programas de partidos socialistas internacionais declaram de forma unânime que a religião é um assunto de foro íntimo dos indivíduos, no qual os demais não devem interferir. Apesar disso, muitos padres e representantes oficiais das religiões combatem a social-democracia com muito zelo.(1) Eles argumentam que este movimento visa meramente exterminar a fé, martelam ardilosamente sobre as teses de nossos maiores expoentes (Marx, Engels, Dietzgen) que fazem apontamentos críticos sobre a religião e defendem seu próprio materialismo enquanto teoria científica. Mais uma vez, camaradas em nossas próprias fileiras se opõem à divulgação de tais teses sob o argumento de que o programa do partido declarou a neutralidade para com a religião e prefeririam proibir a propagação das teses materialistas, que ferem os sentimentos de pessoas religiosas. Eles dizem que o objetivo de nosso movimento socialista é puramente econômico. A esse respeito estão corretos e não devemos falhar em repetir isso diversas vezes em refutação às mentiras dos pastores. Não desejamos inocular pessoas com uma nova fé, ou um ateísmo, mas sim desejamos provocar uma transformação econômica da sociedade. Desejamos substituir a produção capitalista pela socialista. Qualquer um pode perceber a viabilidade prática de tal produção coletiva e suas vantagens sobre a exploração capitalista, por razões que nada têm a ver com religião. Para esse fim queremos garantir o poder político da classe proletária, já que é indispensável enquanto meio para esse objetivo. A necessidade, ou ao menos o anseio, dessa transferência do poder político pode ser compreendida por qualquer trabalhador a partir de sua experiência política, sem qualquer cerimônia, independentemente de ser, em matéria de fé, um protestante, um católico, um judeu, ou um livre-pensador sem qualquer religião. Assim, nossa propaganda deve se dedicar exclusivamente a elucidar as vantagens econômicas do socialismo e tudo que possa contrariar os preconceitos das mentes religiosas deve ser evitado. Por mais óbvia que tal concepção possa ser, ao menos em sua primeira parte, ainda possui seus inconvenientes, e serão poucos os que concordarão com a última conclusão. Se estivesse correta, e se fosse nosso objetivo pregar as belezas do socialismo a todas as pessoas, então naturalmente deveríamos nos dirigir a todas as classes sociais, e em primeiro lugar às mais educadas. Mas a história do socialismo rejeitou por completo os utópicos sentimentalistas, que queriam fazer isso. Descobriu-se que as classes possuidoras não se importam com tais vantagens e que somente a classe proletária se tornou cada vez mais aberta a essa compreensão. Isso indica, por si só, que algo mais deve ser considerado do que meramente provar às pessoas a viabilidade prática de uma transformação econômica da sociedade. Tal transformação, e seu instrumento, a conquista dos poderes políticos pela classe operária, só pode ser o resultado de uma grande luta de classes. Mas para conduzir com sucesso essa luta de classes a sua conclusão é necessário organizar toda a classe operária, para despertar sua inteligência política, para dotá-la de um completo entendimento das forças internas que movem o mundo. Além disso, é necessário se familiarizar com a força e a fraqueza dos adversários da classe operária, de modo a fazer o melhor uso deles e para ser capaz de refutar suas influências de maneira enérgica, as quais podem debilitar a força interna e externa do exército organizado de proletários. Somente uma compreensão clara de todos os fenômenos políticos e sociais pode prevenir os atuais líderes e membros do movimento socialista de erros e passos em falso, que podem prejudicar seriamente a propaganda entre as massas ainda ignorantes. Apenas conhecimento profundo os capacitará para arrancar novas concessões de seus inimigos por suas táticas e beneficiar o proletariado. Se isso é um fato, que a maior quantidade de conhecimento e compreensão é exigida em nossas fileiras para o propósito de bem promover nossa luta, e se os escritos materialistas de nossos mentores tendem a aumentar tal inteligência, então envolveria grandes desvantagens tentar esconder e suprimir tais escritos e concepções apenas em razão de evitar um choque com os preconceitos das pessoas de saber limitado. Nossa teoria, a ciência socialista fundada por Marx e Engels, foi a primeira a nos fornecer nítidos vislumbres das diferentes inter-relações sociais, que influenciam nosso movimento. Portanto, para nós será necessário retornar a essa ciência para uma resposta satisfatória à questão da relação entre socialismo e religião. II Se desejamos decidir sobre nossa atitude quanto à religião, primeiramente será necessário à nossa ciência nos esclarecer a origem, a natureza e o futuro da religião. Tal esclarecimento, como em toda ciência, deve ser baseado em experiência e fatos. Atualmente percebemos que, em todos os países com um movimento socialista fortemente desenvolvido, o conjunto dos proletários com consciência de classe não possui religião, ou seja, eles não acreditam em nenhuma doutrina religiosa e não aderem a nenhuma delas. Isso parece, à primeira vista, ainda mais peculiar, já que essa multidão geralmente possui baixa escolaridade. De outro lado, as classes “educadas”, ou seja, a burguesia, retornam cada vez mais à fé, ainda que tenha existido entre elas um forte movimento antirreligioso. Parece, então, que crença ou descrença não são primordialmente um resultado de cultura, nível de conhecimento e esclarecimento. Os proletários socialistas são os primeiros entre os quais a irreligiosidade aparece como fenômeno de massa. Deve haver uma causa definida para isso, e se não se comprovar um fato meramente transitório, deve necessariamente resultar em uma restrição cada vez maior do campo da religião pelo socialismo. Já os partidários da religião frequentemente argumentam não ser o caso, pois segundo eles, a religião é algo maior do que uma mera fé teológica. A devoção a um ideal, a disposição de fazer sacrifícios por uma causa maior, a fé na vitória final do Bem – tudo isso dizem também significar religião. Nesse sentido o movimento socialista deve até ser chamado de profundamente religioso. É claro que não discutiremos minúcias sobre palavras. Diremos simplesmente que tal significado do termo religião não é o mais costumeiro. Sabemos muito bem que o proletariado socialista está repleto de grande e elevado idealismo, mas para eles isso não está associado a uma crença em um poder sobrenatural, que se supõe governar o mundo e guiar os destinos dos humanos. Nós utilizamos o termo religião apenas nesse último sentido, qual seja, enquanto crença em um deus. Agora nos permita perguntar de onde vem essa fé e o que significa. É óbvio que a fé em um poder sobrenatural que governa os humanos e o mundo, pode existir apenas na medida em que as forças que realmente controlam os processos na natureza e no homem sejam desconhecidas. Um Cafre,(2) trabalhando como carregador de bagagens em uma estação de trem da África do Sul e que subitamente escuta o telégrafo começar a emitir sinais, acredita haver um deus oculto ali dentro. Ele se curva profundamente perante o aparelho e diz respeitosamente: “Informarei o chefe imediatamente” (o operador de telégrafo). Essa concepção do homem sem instrução é bastante inteligível, assim como o fato de que os povos primitivos acreditavam que a natureza ao seu redor estava repleta de todo tipo de espíritos misteriosos. Em sua economia eles dependiam inteiramente da natureza. Muitas forças naturais e poderes desconhecidos ameaçavam seus trabalhos, enquanto outras lhes eram favoráveis, úteis, benéficas. Eles não possuíam nenhum meio de conhecimento ou controle sobre tais poderes. Esses lhes pareciam sobrenaturais, antropomórficos, forças com vontades próprias, e eles pretendiam influenciá-los com os meios de seus limitados horizontes mentais: preces, sacrifícios, ou, talvez, ameaças. O pouco conhecimento geral requerido por suas economias está intimamente conectado com suas concepções religiosas. Os sacerdotes devem sua grande influência precisamente ao fato de que são os portadores do conhecimento transmitido por tradição, de modo que são os mentores intelectuais da produção. Assim como em suas concepções de forças da natureza o conhecimento empírico elementar e precário é misturado com superstição fantástica, suas cerimônias religiosas formam uma mescla de ações necessárias à produção e ações completamente supersticiosas e inúteis. Povos civilizados já não são tão esmagadoramente influenciados pelas forças da natureza. Embora não signifique dizer que eram compreendidas cientificamente no início da civilização, os indivíduos já estão mais fora do alcance de sua influência direta. Seus métodos de produção e de trabalho tornaram-se tão desenvolvidos que as pessoas se sentem mais independentes dos eventos naturais e não estão tão desamparadas diante deles como os selvagens. Quando chegamos a um estágio posterior da civilização, à era do capitalismo, nos deparamos com um rápido desenvolvimento das ciências naturais, que investigam as forças e efeitos da natureza de forma sistemática e descobre seus segredos. Pela aplicação técnica dessas ciências, as forças da natureza inclusive estão a serviço da produção das necessidades da vida. Então, para o homem civilizado moderno, a natureza deixou de ter poderes misteriosos, que poderiam induzi-lo a acreditar em forças sobrenaturais. Tais espíritos do passado estão domesticados e colocados a seu serviço enquanto forças comuns da natureza, cujas leis e processos lhe são conhecidos. Mesmo assim constatamos que a classe que incorpora essa cultura e essa supremacia sobre a natureza permaneceu, ou tornou-se novamente, religiosa em sua maioria, com exceção de uma forte corrente temporária de materialismo burguês no século dezenove. Por que isso? Que razão eles têm para presumir a existência de uma regência sobrenatural dos destinos da humanidade? Em outras palavras, que forças existem que ainda afetam drasticamente a existência da burguesia e que permanecem desconhecidas em suas origens e naturezas e, portanto, podem ser consideradas forças misteriosas e sobrenaturais? Tais forças derivam da ordem social. De fato, o provérbio diz que “cada um é o capitão de sua própria alma”, mas na prática a maioria dos capitalistas pensa que isso não é verdade. Enquanto produtor independente, o capitalista pode fazer o seu melhor, ele pode cuidar de seu negócio de forma consciente e prudente, ele pode explorar completamente seus empregados sem nenhum sentimentalismo, ele pode manter seus gastos dentro de um limite apropriado, e não obstante os preços podem cair até que ele tenha que vender quase sem nenhum lucro, ou mesmo com prejuízo, e apesar de seus esforços o monstro diabólico da falência recai sobre ele. Ou seu negócio pode estar indo bem e ele pode estar acumulando dinheiro a ótimas taxas, quando subitamente uma crise o surpreende e engole todo o seu empreendimento. Por que isso acontece? Ele não sabe. Falta-lhe o conhecimento de economia política, que poderia esclarecê-lo sobre o fato de que o capitalismo necessariamente deve produzir tais forças sociais grandiosas que podem elevar o indivíduo à alta prosperidade, se ele for sortudo, mas que também pode destruí-lo. A origem dessas forças deve ser buscada no fato de que a produção é realmente social, mas apenas na forma e aparência a produção depende da iniciativa e controle privados. As fantasias individuais são de que ele trabalha de forma independente, mas ele precisa permutar seus produtos com outros e as condições de troca, preços e a possibilidades de permuta como um todo são decididas pela totalidade das condições sociais. A produção não é regulada conscientemente pela sociedade. Seu caráter social está acima da vontade da humanidade, tal qual as forças da natureza, e por essa razão leis sociais defrontam o indivíduo com a inevitabilidade e a cruel inexorabilidade das forças naturais. As leis dessa natureza artificial, de seu processo produtivo, são desconhecidas para ele, e por essa razão ele permanece diante delas da mesma forma que os selvagens diante das leis da natureza. Elas trazem destruição e miséria de muitas formas, ocasionalmente também trazem fortuna. Elas governam seu destino caprichosamente, mas ele não as conhece nem as compreende. O proletariado socialista se posiciona diante dessas forças com uma atitude diferente. É precisamente sua condição oprimida que o despoja de qualquer interesse de preservação do capitalismo e de encobrimento da verdade sobre esse sistema. Assim o proletariado é habilitado a estudar suficientemente o capitalismo, ele é compelido a se tornar completamente familiarizado com seu inimigo. Essa é a razão pela qual a análise científica do capitalismo fornecida em “O Capital”, que é a obra da vida de Karl Marx, encontrou relutância e pouca compreensão por parte dos cientistas burgueses, mas foi saudada com entusiástico apreço pelo proletariado, que encontrou nesse trabalho uma revelação das causas de sua pobreza. Por tais ensinamentos lhes é possível entender toda a história do modo de produção capitalista. Eles se tornam cientes dos motivos pelos quais, inevitavelmente, o fracasso deve ser o destino de inúmeros pequenos burgueses e por que fomes, guerras e sofrimentos causados pelas crises decorrem necessariamente dessa produção. Mas eles também enxergam de que maneira o capitalismo se arruinará por suas próprias leis. A classe proletária compreende por que, por meio de seu discernimento e conhecimento, será capaz de substituir o capitalismo por uma produção social conscientemente regulada, na qual nenhuma força misteriosa poderá mais trazer destruição à humanidade. Portanto, a parcela socialista da classe proletária se coloca diante das forças sociais tão inteligente e compreensivamente quanto o educado burguês diante das forças da natureza. Aqui reside a causa da irreligiosidade do moderno proletariado socialista com consciência de classe. Não resulta de nenhuma propaganda anticlerical intencional. Nem de reinvindicação de algum programa. Surge gradualmente como consequência do profundo discernimento social que o proletariado adquire por instrução no campo da economia política. O proletário não se separa de sua fé por nenhuma doutrina materialista, mas sim pelo ensinamento que o capacita a enxergar clara e racionalmente as condições da sociedade, e na medida em que ele compreende o fato de que forças sociais são efeitos naturais de causas conhecidas, a velha fé em milagres morre dentro dele. III Para entender a natureza da religião por completo – e somente um entendimento completo nos capacitará a captar seus efeitos na presente sociedade – devemos chegar a uma concepção clara da natureza de coisas subjetivas em geral. É a este respeito que os escritos filosóficos de Josef Dietzgen são tão valiosos, porque nos dão clareza sobre a natureza da mente, dos pensamentos humanos, teorias, doutrinas, sobre as ideias em geral. Apenas desse modo compreendemos por completo nosso papel na vida social e na luta atual. O que quer que esteja na mente reflete o mundo exterior a nós. Surgiu desse mundo. Nossa concepção de coisas verdadeiras e reais deriva da nossa experiência no mundo, nossa concepção de coisas boas e sagradas das nossas necessidades. Mas essas reflexões mentais não são meras imagens refletidas que reproduzem os objetos exatamente como são enquanto a mente exerce um papel puramente passivo. Não, a mente transforma tudo o que assimila. Além de impressões e sentimentos, sobre os quais o mundo material exerce influência, ela produz conceitos e hipóteses mentais. Dietzgen explicou que a diferença entre mundo e mente, original e cópia, é a de que o fluxo dos fenômenos – infinitamente diverso, concreto e em constante mudança em que a realidade consiste – é transformado pela mente em conceitos abstratos, fixos, imutáveis, rígidos. Nessas concepções os fatos gerais, permanentes, importantes e proeminentes são destacados do quadro multicolorido dos fenômenos e nomeados enquanto natureza das coisas. Da mesma maneira subjetivamos com os termos bom, moral, sagrado, aquelas – dentre as muitas coisas e instituições necessárias para nosso bem-estar – que são essenciais para a satisfação das nossas necessidades gerais, permanentes e vitais. Embora derivados da realidade, é inerente à natureza desses conceitos e hipóteses mentais que não consigam acompanhá-la em suas incessantes alterações. Uma vez que algo foi colhido da experiência enquanto cópia mental, fixa-se na mente e permanece lá entronado como uma verdade reconhecida, enquanto novas experiências estão se acumulando na mente, com a qual essa verdade não pode mais ser conciliada. A princípio essa verdade resiste, mas gradualmente tem que se submeter à mudança, até que finalmente, quando os novos fatos se acumularam de forma esmagadora, ela é derrubada ou completamente compreendida e alterada. Essa é a história de todas as teorias científicas. O lugar da antiga é tomado por uma nova teoria, a qual, então, fornece uma sumarização abstrata e sistemática a toda reserva de fatos materiais. Não estamos tão interessados aqui em teorias científicas como nas concepções gerais referentes à natureza do mundo e ao lugar do homem nele, que são incorporadas pelas filosofias e religiões. Essas não são teorias abstraídas de experimentos e observações especiais de sábios exploradores. Os fatos sobre os quais são construídas são primordialmente experiências e sentimentos de nações inteiras ou de classes populares. Elas formam suas ideias e concepções gerais pelas suas experiências relativas à sua própria posição na natureza e meio social, particularmente em relação às necessidades de suas vidas. Sempre que poderosas forças desconhecidas as pressionem – como mencionamos antes – sua concepção do mundo é dominada por forças sobrenaturais e outras concepções são adicionadas a esse pensamento fundamental. Até agora foi o caso em quase toda a história, salvo poucas exceções. Assim, encontramos nas doutrinas religiosas as concepções gerais primitivas relativas à natureza do mundo e das relações do homem com aquelas forças desconhecidas expressas em formas mistificadas. Todo o necessário para a manutenção dos interesses dessa classe de pessoas assume, então, a forma de uma lei divina. Quando toda esperança de melhora pela autoafirmação se esvai, como ocorreu entre os proletários romanos arruinados dos primeiros séculos do cristianismo, é que o sofrimento dócil sem resistência e a inerte espera pela salvação sobrenatural se tornam a mais alta virtude. Mas quando uma preparação enérgica para a guerra é requerida para a manutenção de um território conquistado e é concluída com sucesso, como foi entre os judeus do Antigo Testamento, daí Jeová ajuda seu povo escolhido e aqueles que obedecem às suas leis a lutar bravamente. Na grande luta de classes da Europa, chamada de Reforma, cada uma das classes envolvidas na luta considerava como vontade de Deus tudo o que estivesse de acordo com seus interesses de classe, pois cada uma só poderia conceber aquilo que era vital para a existência de sua classe enquanto absolutamente bom e necessário. Para os seguidores de Lutero, que amavam servir a um príncipe, a lei de Deus ou a verdade de Deus, exigia obediência à autoridade; para a burguesia livre das cidades exigia igualdade Calvinista de indivíduos e seleção pela graça; para os camponeses e proletários rebeldes exigia a igualdade comunista de toda a humanidade. De modo geral, as religiões em luta daquele período podem ser comparadas aos partidos políticos dos dias atuais. Os membros de uma mesma classe se reuniam, e em seus congressos (concílios) formulavam sob forma de confissões de fé (hoje em dia diríamos programas) suas concepções gerais do que eles entendiam por verdadeiro, bom e necessário, e o que era, portanto, a verdade e a vontade de Deus. Naqueles dias a religião era algo vivo, profunda e intimamente conectado com toda a vida e, por essa razão, ocorria frequentemente de as pessoas mudarem suas religiões. Quando uma mudança de religião é considerada meramente um tipo de violação de costumes, como em nossos dias atuais, é um indício de que a religião permanece intocada pelos grandes movimentos sociais modernos, pelas lutas que estimulam a humanidade, e torna-se uma mera casca morta. Com o desenvolvimento da sociedade surgiram novas classes e novos antagonismos de classe. Do interior das coletividades de fiéis existentes outrora resultaram diferentes classes e antagonismos cresceram. Do mesmo estrato dos pequenos burgueses, surgiram grandes capitalistas e proletários. A confissão de fé, que antigamente expressava uma convicção social viva sob vestimenta teológica, torna-se uma fórmula rígida. A coletividade de fiéis, antigamente uma comunidade de interesses, torna-se algo fossilizado. As concepções mentais persistem por tradição enquanto formas teológicas abstratas, desde que não sejam abaladas pela forte tempestade de uma nova luta de classes. Quando chega essa nova luta de classes, encontra os velhos antagonismos tradicionais em seu caminho, e então começa a batalha entre a fé tradicional e a nova realidade. Os reais interesses de classe atuais são idênticos para os proletários de diferentes confissões religiosas, enquanto um profundo antagonismo de classe existe entre proletários e capitalistas de mesma denominação religiosa. Mas a nova realidade exige a superação de velhas tradições. Em uma época em que uma comunidade religiosa representava uma comunidade viva de interesses, a associação de membros da mesma fé foi transmitida por tradição, e uma tradição sagrada. Pelo fato de que dessa associação é a imagem mental de uma realidade passada, ainda persiste enquanto fato subjetivo e tenta se manter contra a investida de novos fatos, que influenciam a mente do proletário por sua própria experiência e pela propaganda socialista. No fim, o velho conjunto de concepções e interesses, que se tornaram casca morta, deve ceder ao novo conjunto baseado em interesses de classe contemporâneos. Portanto, religião é apenas um obstáculo temporário para o avanço do socialismo. Em virtude da sacralidade atrelada às suas doutrinas e mandamentos consegue se manter por mais tempo e mais tenazmente do que outras concepções burguesas. Por vezes, tal tenacidade criou a impressão de que a fidelidade do proletariado religioso seria um obstáculo ao socialismo na prática e uma refutação ao socialismo teórico. Mas em longo prazo até mesmo essa ideologia sucumbe ao poder da realidade, como provou o proletariado católico na Alemanha. IV Os ensinamentos socialistas inocularam o proletariado com uma concepção de mundo inteiramente nova. A percepção de que a sociedade está em contínuo processo de transformação, e que miséria, pobreza, exploração e todo o sofrimento do presente são temporários e em breve darão lugar para um tipo de sociedade – a ser inaugurada por sua classe – na qual paz, abundância e fraternidade reinarão. Tal percepção revolucionará completamente a concepção de mundo do proletário. A teoria do socialismo fornece os fundamentos científicos para essa concepção de mundo. A economia política nos ensina a entender as leis internas que movem o processo capitalista, enquanto o materialismo histórico revela os efeitos da revolução econômica sobre as concepções e ações das pessoas. Enquanto sistema teórico materialista, tudo isso permanece irreconciliavelmente oposto à religião. O proletário socialista que reconheceu seus interesses de classe e dessa forma se inspirou com entusiasmo pelo grande objetivo da luta de sua classe, desejará naturalmente ter um claro entendimento dos fundamentos científicos de suas ações práticas. Para este fim, se informa com as teorias materialistas do socialismo. Mas não é meramente almejando a satisfação derivada de um entendimento completo que é necessário que os partidos socialistas promovam uma compreensão minuciosa desses ensinamentos entre seus membros. É necessário, primordialmente, porque tal compreensão é indispensável para um impulso vigoroso em nossa luta. Assim, o estado de coisas atual é justamente o oposto do que os teólogos acreditam e proclamam. Nossas teorias materialistas não servem para privar os proletários de suas religiões. Eles se aproximam de nossas teorias apenas depois que suas religiões já se foram, e eles vêm até nós para uma fundamentação mais profunda e uniforme de seus pontos de vista. A religião não desaparece por propagarmos as teorias do materialismo, mas porque se debilita por simples amostras coletadas no campo da economia por uma cuidadosa observação do mundo atual. Ao declarar que a religião é um assunto privado não queremos dizer que são irrelevantes para nós quais concepções gerais nossos membros possuem. Preferimos um completo entendimento científico a uma fé religiosa não científica. Mas estamos convencidos de que as novas condições irão por si mesmas alterar as concepções religiosas e que a propaganda, religiosa ou antirreligiosa, é incapaz de conquistar ou evitar isso. Aqui está o ponto crucial da diferença entre nossa concepção e todas as anteriores, entre o atual movimento proletário e os movimentos de classe anteriores. Nossa teoria materialista nos revelou os fundamentos reais das lutas históricas passadas. Demonstrou que sempre foi uma questão de lutas de classes e interesses de classes cujos objetivos eram a transformação das condições econômicas. As pessoas não estavam claramente cientes das razões materiais de suas lutas. Suas concepções e objetivos eram encobertos por um véu místico de verdades eternas e fins sagrados e infinitos. Portanto, suas lutas eram conduzidas enquanto disputas entre ideias, pela verdade divina em cumprimento da vontade de Deus. As lutas assumiram a forma de guerras religiosas. Depois, quando a religião já não ocupava o primeiro lugar, quando a burguesia, fantasiando que poderia alcançar o mundo inteiro pela razão, lutou contra os representantes da igreja e da nobreza, essa burguesia imaginou estar empreendendo uma batalha pela racionalidade definitiva, pela justiça eterna baseada na razão. Naquele período a burguesia defendia o materialismo. Mas entendeu muito pouco da real natureza da luta e a conduziu nessa mistificação jurídica apresentando-a, aqui e acolá, como uma batalha contra a religião. Não viu que essa luta era somente uma luta de classe da burguesia contra as classes feudais cujo objetivo era instaurar o modo de produção capitalista. A esse respeito nossa luta de classe é diferente de todas as anteriores, em virtude de nossa ciência materialista nós a reconhecemos exatamente como é, a saber, uma luta pela transformação econômica da sociedade. Embora percebamos a elevada importância dessa luta e expressemos frequentemente em nossos escritos que trará liberdade e fraternidade para a humanidade, tornará reais os ideais cristãos de amor humano e emancipará o pensamento humano da opressão da superstição, não obstante nós não apresentemos esta luta como uma luta ética por um ideal moral, tampouco como luta jurídica por liberdade e justiça absolutas, e nem como luta subjetiva contra a superstição. Sabemos que, na realidade, se trava uma luta pela revolução do modo de produção, pelas demandas da produção, e todas as outras coisas são resultados que emanam dessa base. Essa compreensão clara da real natureza de nossa luta se expressa na declaração de que religião é um assunto privado. Não existe contradição entre nossa teoria materialista e essa reivindicação prática. Elas não representam dois pontos de vista antagônicos que devem ser conciliados no sentido de que “questões práticas” devem ser conciliadas com a “solidez dos princípios teóricos”. Não, assim como nossas denominadas questões práticas sempre resultam de uma clara compreensão teórica, também o são aqui, como as posições expostas acima demonstram. Portanto, a declaração de que a religião é um assunto privado expressa a clareza da natureza científica e do objetivo de nossa luta, uma consequência necessária de nossa teoria materialista da história e apenas nosso materialismo é apto a dar uma justificação científica dessa reivindicação. Notas da tradução: (1) Quando este texto foi escrito (1907) a social-democracia era a única corrente política marxista. Após 1914, quando ela se tornou antimarxista na prática e paulatinamente foi abandonando o materialismo-histórico-dialético como referência, este combate ficou restrito às alas conservadoras das religiões. Exatamente por sua evolução antimarxista, em alguns países alas progressistas das religiões ajudaram a fundar partidos sociais-democratas. Para os religiosos progressistas, a social-democracia resolvia uma contradição ao permitir uma atuação política que fosse, ao mesmo tempo, de esquerda e anticomunista. (2) Do original “Kaffir”. Até a década de 1950 era usado de forma neutra na África do Sul para se referir aos africanos negros, mais especificamente ao povo Nguni. Com o início do Apartheid começou a ser utilizado de forma ofensiva pelos brancos racistas. Atualmente é considerada a expressão racista mais ofensiva pela sociedade sul-africana. Tradução de Ernest Untermann.

  • O Dia Internacional da Mulher Comunista

    por Clara Zetkin, em fevereiro de 1922 Tempestades de entusiasmo saudaram a moção de nossas camaradas búlgaras e a resolução da Segunda Conferência Internacional de Mulheres Comunistas em Moscou, para celebrar o Dia da Mulher em todos os lugares em 8 de março, dia que anteriormente era observado apenas por camaradas russas. Os corações batiam ferozmente, os olhares voaram longe e a vontade de agir destemidamente se elevou suprema. Surgiu com entusiasmo a lembrança de que foi a manifestação monstruosa das mulheres proletárias de Petrogrado pela paz e pela liberdade que, em 8 de março de 1917, iniciou a Revolução Russa. O entendimento e a vontade das 82 representantes das mulheres comunistas de 28 nacionalidades convergiram em uma única grande determinação. Nosso Dia Internacional da Mulher deste ano deve se tornar um recrutamento gigante das grandes massas ao comunismo e deve ser um apelo irresistível à luta contra a ordem burguesa e pela tomada do poder pelo proletariado. Deve mostrar que nós, comunistas, não apenas queremos, mas também podemos, podemos agir. Agora é a hora de fazer nosso juramento silencioso, mas obrigatório, a fim de transformar a vontade em ação. A hora presente nos obriga a isso. O que os capitalistas começam em um país, nacionalmente, eles continuam internacionalmente – o esforço para estabelecer novamente e fortalecer para sempre a economia capitalista que está dilacerada e decadente por causa da guerra mundial e suas consequências. Não devido à força da própria história deste sistema econômico. Não! Somente à custa da exploração sangrenta e da mais dura escravização do proletariado, do povo trabalhador. A burguesia dos velhos países demonstrou durante sua guerra imperialista e nos anos que se seguiram, que não tem capacidade nem vontade de administrar para o bem comum as fabulosas forças produtivas que se desenvolveram sob seu domínio. Só pode paralisá-los e negligenciá-los através da miséria das crises e dos crimes de guerra, e levá-los à destruição e à ruína. O capitalismo não pode, como uma fênix, ressurgir das chamas e cinzas da guerra mundial rejuvenescido para uma nova vida. É fraco até mesmo para controlar o caos que criou; ele é ainda mais impotente para fazer brotar das ruínas uma existência nova, superior, material e cultural para todos. Ele pode apenas confundir isso com transformar uma minoria de milionários em bilionários. Satisfeitos ociosos, entupidos de pão e cultura e insignificantes com mérito científico, artístico e social em degenerados esbanjadores. Os desenvolvimentos rumo ao abismo não podem ser detidos pelas reuniões dos diplomatas, dos políticos, capitães da indústria e reis das finanças, com seus zumbidos e sussurros, com os falsos tratados secretos e seus punhos cerrados contra a classe trabalhadora. Eles permanecerão reais, apesar das profecias daqueles cansados e temerosos da revolução, que não veem nada no horizonte histórico além de um renascimento do capitalismo e de sua ordem. Assim como ninguém pode saltar sobre sua própria sombra, o capitalismo é incapaz de balançar-se além dos limites de sua existência. Sua admirada e elogiada “adaptabilidade” a formas superiores de organização, se quebra em sua natureza inflexível como uma economia de lucro individual e anarquista. A hora histórica do capitalismo já passou. Ele deve ceder lugar ao socialismo e ao comunismo, cujos pré-requisitos necessários foram gerados em seu próprio seio. Essa certeza não é uma crença feliz, mas sim um conhecimento científico inabalável e bem fundamentado dos fatos sociais, associações e leis da evolução. Em meio à terrível angústia e às amargas lutas desta época, essa garantia dará ao Dia Internacional da Mulher Comunista uma força infalível e um entusiasmo flamejante que atrairá e recrutará as massas. Forjará a vontade inflexível de milhões de lutar para superar o capitalismo e pavimentar o caminho para o comunismo. Pois esta vontade, e somente esta vontade, pode chutar o capitalismo para o túmulo, cujo processo de decomposição enche o ar de bactérias venenosas e pútridas e o hálito nauseante da pestilência. Caso falte essa ativa e abnegada vontade, então o capitalismo pode vegetar mais amplamente – embora tenha sido condenado pela história. O preço disso será pago pelos escravos assalariados explorados e oprimidos, pelas classes trabalhadoras pagadoras de impostos e dominadas fora das fileiras da aristocracia, dos capitães da indústria, dos dirigentes da bolsa de valores e seus irmãos ilegítimos, mas ainda assim naturais, os especuladores e usurários. E esse preço ficará registrado na história com sangue e lágrimas, como uma derrota esmagadora, a destruição e morte de exércitos proletários inteiros. As mulheres comunistas estavam conscientes de tudo isso quando adotaram sua resolução em Moscou para o Dia Internacional da Mulher. Elas estão cientes com maior clareza e maior determinação hoje, enquanto se preparam para esta manifestação. O Dia Internacional da Mulher Comunista também deve responder à pergunta fatídica que se coloca aos homens e mulheres trabalhadores de todos os países, carregados de responsabilidades e sacrifícios, mas ainda assim esperançosos e abençoados – aceitar paciente e humildemente o capitalismo imundo e sangrento, ou lutar resoluta e inexoravelmente para destruí-lo? A resposta a esta pergunta deve ser clara e inequívoca, sem voltas e reviravoltas com “mas” e “ses”, e milhões de mulheres e homens devem respondê-la. A emancipação dos trabalhadores só pode ser obra da própria classe trabalhadora. No entanto, esta maior e mais frutífera obra da história nunca pode ser realizada pela classe trabalhadora enquanto ela é dividida em duas, pela distinção de gênero. Assim como os homens e mulheres do proletariado estão unidos em um estado de angústia existencial que esmaga o corpo e a alma, também devem estar unidos pelo ódio ardente ao capitalismo, com uma vontade mais confiante, mais ousada de lutar pela revolução. O Dia Internacional da Mulher Comunista não deve permanecer apenas uma manifestação de mulheres em qualquer país ou cidade, deve ser a expressão da vontade e do trabalho de todo o Partido Comunista, em todos os lugares. Isso deve apoiar o nosso Dia da Mulher com toda a sua força material e moral. O poder, o caráter, o teor, o objetivo de nosso Dia da Mulher devem tornar sua necessidade tão aparente e auto evidente quanto a existência de todos os partidos da Terceira Internacional. Ousaremos esquecer que somos comunistas? O comunismo une! Nosso lugar é na luta contra o monstro capitalista, no trabalho e na luta pela construção do edifício ensolarado do comunismo, no qual todos encontrarão um lar para a maior humanidade, tanto homens quanto mulheres, assim como na luta para a humanidade completa, devemos lutar pelas coisas que dizem respeito aos homens, bem como às que dizem respeito às mulheres. Diante de nossos pensamentos e vontades está uma grande reunião de milhões de todos os explorados, os escravizados, os sofredores e os oprimidos e uma grande e sublime causa comum que chama à luta! Aqui o proletariado anseia por uma vida mais plena, ali a burguesia anseia por ouro e poder! Aqui o socialismo, o comunismo, que transforma as pessoas que criam e desfrutam da cultura em seres humanos plenos e felizes; lá o capitalismo usa as pessoas como matéria-prima para os lucros, as mancha, reduz seu padrão de vida, as aleija e as oprime. Com esta convicção, o Dia Internacional da Mulher quer conquistar as grandes massas para a luta pela causa do comunismo. Homens e mulheres sem distinção! A memória do feito glorioso das mulheres trabalhadoras de Petrogrado em 8 de março deve flamular sobre o nosso Dia da Mulher como uma bandeira brilhante que indica o caminho e incendeia nossa coragem. Além disso, como força de recrutamento para o Partido Comunista de cada país, para o comunismo, para a Terceira Internacional, a manifestação continuará durante a semana de 5 a 12 de março. Pois é levar a centelha de pensamento que estimula o ato de emancipação até as profundezas e até o recanto mais remoto habitado por pessoas cuja humanidade é moída pelo capitalismo em seu moinho de lucro. Com esse objetivo em mente, nosso comício falará com voz de ferro sobre o que move o coração de inúmeras mulheres, sobre o destino de inúmeras mulheres. Falará também de labutas incansáveis e da amarga pobreza, de preocupações que consomem e da miséria sombria, de injustiças e de anseios ardentes implacáveis, de poder brutal e obstinado dos homens e da vontade revolucionária inflexível, ousada e desafiadora dos explorados e dos pequenos. O capitalismo não está atrás da mulher trabalhadora desde o amanhecer cinzento até tarde da noite, para espremer de sua carne e sangue – e muitas vezes com redobrada crueldade e inescrupulosidade – as riquezas com as quais deseja pagar por seus estragos na Guerra Mundial e por sua futura existência destrutiva? O aumento do custo de vida, intensificado pela especulação e pelos altos impostos arrancam-lhe o pedaço de pão seco da boca. Seus ganhos ou os do seu marido estão diminuindo e nenhuma perícia, nenhuma habilidade a protege do desemprego. A jornada de trabalho é cada vez mais longa, o fardo, a tortura e o perigo do trabalho aumentam. Os patrões, insolentes e desafiadores sob a proteção do Estado, estão destruindo os escassos primórdios da proteção legal para a mulher proletária assalariada, para as crianças, os filhos e filhas pequenos dos trabalhadores. O capitalista explorador quer se manter no mercado e exige maiores lucros. Insensivelmente, ele espezinha toda consideração de que a operária, a dona de casa do operário fabril, escriturária, funcionária pública, artesã, pequena agricultora, é esposa, mãe e ser humano. E, sob esta sagrada fome de ouro do capitalista individual, existe hoje a consciência de toda a classe capitalista de que a existência de seu poder explorador e governante está em jogo. Portanto, dinheiro em abundância para proteger e apoiar esse poder com baionetas e metralhadoras. Por outro lado, no que se refere à assistência social à mãe e ao filho, às instituições e medidas sociais que possam aliviar a sorte da dona de casa e da mãe, desgastada por duplas e triplas jornadas, pobreza absoluta. Por um lado, em nome da democracia, há privilégio e fortalecimento do poder para os ricos, mesmo que eles, como zangões, estorvem a sociedade. Por outro lado, há cerceamento de direitos políticos e sociais para as mulheres trabalhadoras, que com mãos e cérebros promovem o bem-estar e a cultura da comunidade. Presa também pelas correntes da escravidão sexual, a sorte da mulher trabalhadora, como vítima da escravidão de classe, é duplamente difícil. E se, no entanto, elas se atrevem a se rebelar contra essa escravidão, se seu irmão de classe se levanta contra eles, então a sociedade burguesa, com a morte respirando em seu pescoço, busca ajuda do Terror Branco, busca matar sua justiça de classe e o Terror Vermelho de seu exército de classe. Tais são os efeitos do capitalismo moribundo, lutando desesperadamente contra a morte, que ditam as palavras de ordem do nosso Dia da Mulher. Desde a reivindicação de medidas imediatas e drásticas para baratear e garantir as necessidades básicas da vida, até o momento do controle da economia por conselhos de trabalhadores livremente eleitos sem distinção de sexo. Começando com as reivindicações de plenos direitos políticos e sociais para as mulheres e proteção social eficiente para elas e terminando com um apelo à anistia irrestrita para todos os combatentes revolucionários, homens e mulheres. Dependendo das circunstâncias históricas dadas em cada país, uma ou outra necessidade e demanda proletária é o ponto de partida ou particularmente enfatizado. Em todos os países, no entanto, as demandas individuais devem ser combinadas em uma vontade poderosa e confiante de lutar pela conquista do poder de Estado pelo proletariado e pelo estabelecimento de sua ditadura no sistema soviético. Nas terras dos vencidos e dos vencedores, assim como nos chamados países neutros, o capitalismo não mais castiga com os chicotes de seu apogeu, mas com os escorpiões de sua decadência. Os sofrimentos da classe produtora de uma nação tornam-se a dor das outras. Isso desenvolve e fortalece a determinação revolucionária internacional de lutar, e o grito de guerra revolucionário internacional, “Abaixo o Minotauro, o devorador de homens!” Nosso Dia da Mulher Comunista deve promover isso. A solidariedade internacional dos oprimidos e famintos de todos os países exige imperativamente uma expressão tangível atual – uma ajuda fraterna e abnegada para os famintos e ameaçados de morte na Rússia Soviética, luta determinada pela liberdade, e a própria existência da Rússia Soviética. Os imperialistas da França e da Inglaterra exigem como despojos de guerra uma parte enorme da riqueza que os capitalistas alemães extorquem do proletariado. Como compensação, eles querem permitir que Stinnes e Rathenau, barões da indústria alemã, participem do bem planejado saque e desmembramento da Rússia soviética. É para se tornar uma colônia para a exploração inesgotável do capitalismo mundial sob a administração alemã. O ódio mortal pelo único estado proletário do mundo permeia aqueles gananciosos por ouro e poder e o clã internacional de exploradores que têm fome de vidas. Pode este estado viver, pode desenvolver suas jovens forças, se a estrutura rachada e quebrada do capitalismo mundial só pode ser cimentada com o sangue e o suor de milhões de pessoas miseráveis, se só pode ser sustentada pelos ossos de gerações destruídas? Sua mera existência não é um lembrete contínuo para os escravizados para se livrarem do jugo de seus ombros feridos e de suas almas despedaçadas? Os trabalhadores e camponeses da Rússia Soviética realizaram feitos imortais em luta heroica e no martírio silencioso. Sozinho, enfraquecido pela guerra civil, atacado por inimigos internos, o país não conseguiu em quatro curtos anos apagar a herança criminosa do czarismo e do capitalismo e compensar a falta de desenvolvimento econômico e cultural, que se manteve estagnado por séculos. E precisava daquilo que acelerasse e facilitasse a construção de uma vida nova e mais plena, a colaboração com outros estados proletários nos quais a revolução social desencadeou enormes forças criativas. A Rússia soviética foi forçada a retomar as negociações com o capitalismo que deseja erradicar. Esta ação não foi um fruto amargo dos “graves erros” de seu partido revolucionário, mas muito mais culpa dos proletários de outros países, sobretudo da Alemanha – que não ousaram pensar e lutar por sua liberdade. O capitalismo que foi admitido na Rússia soviética deve permanecer o servo bem pago do proletariado e de sua república, e nunca deve se tornar o mestre comandante, o governante. O poder ainda está com os soviéticos e deve permanecer com eles. Proletários de todo o mundo, paguem sua tremenda dívida para com seus irmãos e irmãs russos! E vocês, mulheres trabalhadoras do mundo inteiro, façam o mesmo! Não é a Rússia Soviética o único país que clama e reconhece o trabalho da mulher em todos os campos, que protege e valoriza socialmente a maternidade, na medida em que a mulher é cidadã e tem direitos iguais? Mãos fora da Rússia Soviética! Abram caminho para a Rússia Soviética! Vamos ao enérgico desenvolvimento da Rússia Soviética! Portanto, a partir de nosso Dia Internacional da Mulher, deve rugir em todo o mundo o chamado para lutar contra a burguesia saqueadora de todos os países capitalistas. As correspondentes internacionais dos Partidos Comunistas de muitos países europeus, em conferência conjunta com as representantes do secretariado das mulheres da Terceira Internacional, discutiram a implementação do Dia da Mulher. Em suas decisões, elas estavam de acordo com as ordens da Terceira Internacional. O Partido Comunista de cada país pode e não deve deixar de dedicar toda a sua força ao sucesso de nossa manifestação. O Dia Internacional da Mulher Comunista começa em 5 de março, aniversário de Rosa Luxemburgo. A obra da vida e o bom exemplo da destemida e genial revolucionária, cujo corpo foi mutilado por mãos assassinas, mas cujo espírito vive imortal entre nós, será uma coluna de fogo para iluminar e nos mostrar o caminho. Em 8 de março de 1917, quando as mulheres tocaram o sino da Revolução Russa, os deputados das potências capitalistas se reuniram em Gênova para trazer o mundo de volta ao equilíbrio capitalista. O proletariado internacional deve responder à manifestação da contrarrevolução internacional com uma declaração de vontade e uma luta resoluta. E as mulheres lutarão com honra e glória nas primeiras fileiras da frente única revolucionária. Seu Dia Internacional deve construir uma forte força proletária se levantando contra a negociação contrarrevolucionária do poder capitalista e seus lacaios políticos. As mulheres ajudaram a pavimentar o caminho do cristianismo rumo à igualdade. As mulheres trouxeram o rei e a Assembleia Nacional de Versalhes de volta a Paris em 5 e 6 de outubro de 1789, no cortejo fúnebre da monarquia absolutista e do estado feudal e procissão triunfal da Revolução. As mulheres, em 18 de março de 1871, impediram o roubo da artilharia do povo parisiense pelos Guardas Brancos de Adolphe Thiers e deram o sinal para a Comuna. Nossos tempos difíceis, em que está em jogo a liberdade e até mesmo a mais simples existência dos proletários de todos os países, nossa grande época, em que a reação mundial e a revolução mundial estão se preparando para o conflito armado, não devem encontrar nenhuma mulher insignificante, nem corações iludidos, medrosos e fracos! Preparemo-nos para a luta! Entremos na luta com seriedade e sem medo! Tradução de Elisa G. Stefanelli

  • A linha revolucionária e o revisionismo

    por Mahir Çayan A linha revolucionária e o revisionismo (1972) Mahir Çayan Descrevemos, em poucas palavras, as características do terceiro período de crise geral e as diferenças em relação aos outros períodos gerais de crise do imperialismo. Nesse período, o revisionismo e o oportunismo na esquerda se mostraram de duas formas. Devido às qualidades características deste período, os primeiros afirmaram que as teses universais do leninismo haviam perdido sua validade. Por isso, eles elaboraram a teoria de uma revolução pacífica e pacifista. Entretanto, a substância do imperialismo não mudou. O que mudou foram as formas de relações imperialistas internas e a exploração. Portanto, as teses universais do leninismo, o marxismo da área imperialista, permanecem válidas até o colapso do imperialismo como sistema. O segundo tipo, a linha social-reformista, que não leva em conta as formas mutáveis de relações e exploração do imperialismo, não usa a teoria como um guia para a ação, mas como um dogma invariável. Em sua opinião, a forma de propaganda armada não pode ser o principal método de luta porque, segundo eles, essa forma de propaganda não aparece no leninismo. Supostamente, a propaganda armada não é uma forma de organização. Aderir à propaganda armada significaria ver tudo através do cano de uma arma... etc... Queremos nos aprofundar um pouco mais nesse tema. Como é sabido, Marx e Engels, na segunda parte do século XIX, disseram: para que a luta do proletariado contra a burguesia alcance uma fase mais avançada e para tornar possível a primeira revolução proletária no mundo, provavelmente será necessária uma guerra mundial entre os imperialistas. Lênin e os bolcheviques realizaram a primeira revolução proletária no mundo na era imperialista, fazendo sua própria análise de gênio. Lênin já havia dito, por volta de 1900 (muito antes, antes de escrever seu livro "Imperialismo"), que a lei do desenvolvimento desigual e instável do capitalismo levará obrigatoriamente a uma guerra entre os imperialistas, o que abrirá o caminho para a revolução do elo mais fraco da cadeia do capitalismo, a Rússia. De acordo com o modelo leninista da revolução, os conflitos entre os imperialistas, sem dúvida, passarão para a plataforma militar. Como sabemos, o movimento do proletariado mundial deu um salto gigantesco durante a primeira guerra mundial intra-imperialista, durante a fase de mudança de cima para baixo, e 1/6 do mundo se tornou socialista. Durante a fase de virada de cima para baixo, causada pela segunda guerra mundial intra-imperialista, 1/3 do mundo já se tornou socialista e o socialismo ganhou prestígio em todo o mundo. Após a Segunda Guerra Mundial, o capitalismo entrou em um novo período de crise. Não é possível que os conflitos interimperialistas provoquem uma guerra nesse período. (Pelas razões que já mencionamos). A Revolução Cubana, com sua forma de luta, com o caminho que seguiram, é, portanto, o resultado das particularidades desse período histórico, ou seja, o resultado da aplicação prática do marxismo-leninismo nesse período histórico. Com exceção da Revolução proletária em Cuba, todas as outras revoluções foram realizadas pelas reviravoltas de cima para baixo das duas guerras mundiais. Da aplicação das teses marxistas-leninistas universais na prática dessa situação histórica concreta decorre que a propaganda armada é a forma básica de luta e que a guerra da vanguarda do povo constitui a linha bolchevique dos revolucionários proletários de todos os países que estão sob a hegemonia do imperialismo. Tanto os pacifistas de nosso país quanto os de outros países chamam a luta das organizações revolucionárias que tomam a propaganda armada como a forma básica de luta, que travam a guerra de vanguarda, de "duelo de um punhado de pessoas com a classe dominante", de "linha do anarquismo e do narodnismo", e dizem que "essa forma de luta não existe com Lênin". Essa concepção significa ver tudo através do cano de uma arma... etc..." Essas afirmações, que nada mais são do que um véu ideológico para cobrir a capitulação, têm um lado que deve ser levado a sério. Diremos apenas o seguinte: Nesse período, ocorreu uma revolução. E aqueles que alcançaram essa revolução, além disso, adotando a propaganda armada como forma básica de luta, começaram com a guerra de vanguarda. Os movimentos revolucionários que tomam o método de trabalho leninista como base para essa situação histórica escrevem a epopéia da libertação dessas pessoas nas regiões rurais deste mundo. Entretanto, os pacifistas, um grupo de poucos, conduzem um duelo de palavras como braço esquerdo prolongado do imperialismo e da oligarquia no mundo contra aqueles que escrevem a epopéia da libertação com sangue e fogo. Lênin dá a melhor resposta aos pacifistas que afirmam que essa forma de luta não existe com Lênin: Então, vamos dar a ele a palavra: "O marxismo exige um exame histórico rigoroso da questão das formas de luta. Manter essa questão separada da situação histórica concreta mostraria que os princípios do materialismo dialético não são totalmente compreendidos. Nos diferentes estágios da evolução econômica, vinculados às circunstâncias de vida político-nacional-cultural em transformação, surgem diferentes formas de luta, que se transformam principalmente em formas de luta; em relação a elas, também mudam as formas suplementares de luta, em segundo grau". Aqueles que não levam em conta as mudanças nas condições políticas, culturais e nacionais da evolução econômica (imperialismo), que estão desconectados da situação histórica concreta vivida (o terceiro período de crise do imperialismo) e da prática, e aqueles que estão fixados em um método de trabalho mecânico nas obras de Marx, Lênin, Stálin e Mao, podem ser bons marxólogos, mas nunca poderão ser revolucionários proletários. A principal diferença entre todos os tipos de oportunismo e a linha revolucionária está na escolha da forma básica de luta. Como sabemos, a luta revolucionária proletária, travada contra as classes dominantes, é versátil. Essa versatilidade está reunida sob dois títulos na literatura: a) Métodos pacíficos de luta (não significa reconciliação) b) Métodos armados de ação. Como deve ser conduzida a luta contra o imperialismo e a oligarquia nos países sob ocupação do imperialismo? Com que forma de luta como base deve ser destruído o equilíbrio artificial entre a oligarquia e o descontentamento, a reação do povo? Qual método de luta, como base, deve ser escolhido para atrair o povo para as fileiras revolucionárias? Que forma de luta deve ser a base para uma campanha que revele os fatos políticos? É exatamente isso que divide a linha revolucionária da linha oportunista, a teoria revolucionária da baboseira ideológica "ortodoxa". Os revisionistas internacionais e os pacifistas que dividem os estágios da evolução e da revolução da luta revolucionária no período atual com uma linha nítida, respondem às perguntas acima mencionadas (quaisquer que sejam as diferenças entre elas, desde aquelas que tomam a cidade como base até aquelas que tomam o país como base) da seguinte forma: "Vá até as massas, satisfaça as necessidades mais básicas das massas, politize-as, organize-as com base nos direitos econômicos e nas necessidades dos trabalhadores, direcionando-as para o objetivo político". Em todos os países que são deixados para trás, onde os direitos e as liberdades democráticas não são aplicados, são deixados de lado, ou melhor, onde a oligarquia "não permite" a aplicação e uma política completa de submissão é praticada contra as massas trabalhadoras com a ajuda do exército, da polícia e de outras forças, essas organizações que querem transformar a luta econômica e democrática em uma luta política com o clássico "trabalho de massa" ficarão cada vez mais fracas diante das forças militares superiores e da repressão do inimigo e deslizarão ainda mais para a direita. Dessa forma, "deixarão sobreviver o desequilíbrio artificial, construído entre a ditadura da oligarquia e a pressão do povo, em vez de destruí-lo". (Che) Sim, ela sobreviverá quando seguirmos esse caminho. É claro que parecerá haver progresso. Mas aqueles que defendem esse caminho, embora possam ter tido qualidades militantes no início, perderão essa qualidade, ficarão estragados e se tornarão burocratas, cada vez mais. O que se perderá será a substância revolucionária e, portanto, também alguns trabalhadores que foram levados ao pacifismo. Esse é sempre o resultado. Quando se interpreta essa visão superficialmente, chega-se a essa conclusão. Eles acham que a fase de evolução será longa e a fase de revolução será curta, como aconteceu durante a revolução na União Soviética, onde o proletariado urbano desempenhou o papel principal. As organizações que adotam essa forma básica de luta ficarão cada vez mais sob as asas dos nacionalistas revolucionários, enquanto eles pensam que alcançarão os direitos democráticos e as liberdades no país sob sua liderança e, com isso, poderão organizar as massas no campo da luta econômica e democrática e criar consciência. Por exemplo, o grupo X se reúne nos arredores de um jornal que revela os fatos políticos e tenta se firmar em fábricas e outros lugares, entrando em organizações de massa econômico-democráticas. Ao mesmo tempo em que, partindo desse ponto, tentam puxar as massas para o lado da revolução, e ao mesmo tempo em que tomam essa forma de luta como base, planejam, por outro lado, um ou dois roubos para fornecer dinheiro para a organização, e podem ter realizado um ou dois atos de sabotagem e algumas tentativas de ataque. (Mas essas ações armadas realizadas não são o mesmo que propaganda armada). E esse grupo, que adotou esse método de trabalho, depositou todas as suas esperanças em uma junta nacionalista-revolucionária, porque essa junta praticamente realizaria a constituição de 27 de maio de 1961 (uma constituição liberal-democrática, tr.), os artigos 141-142 (comparáveis ao 129a na Alemanha) seriam abolidos e uma ordem seria criada de acordo com o método de luta escolhido. O ponto de vista revolucionário é o seguinte: A propaganda armada é o principal método de luta para destruir o equilíbrio artificial entre a oligarquia e a reação inconsciente e o descontentamento do povo e para a mobilização das massas ao lado da revolução. Nos países em que a luta econômica e democrática das massas trabalhadoras é abatida pela ditadura da oligarquia - embora em sua instituição parlamentar -, onde a autoridade central parece um "gigante" com seu exército, polícia etc., onde existe a ocupação oculta, nesses países a propaganda armada é o principal método de luta que estabelece um contato com as massas e as ganha para as fileiras da revolução por meio de uma ampla campanha que divulga os fatos políticos. A propaganda armada não é uma luta militar, é uma luta política. Não é uma forma de luta individual, é uma forma de luta de massas. Portanto, a propaganda armada, de qualquer forma, não é terrorismo (apesar das alegações dos pacifistas), ela difere do terrorismo individual em seu objetivo e meios. A propaganda armada considera uma determinada estratégia revolucionária que é reconhecível pelas massas nas ações materiais e concretas e, a partir disso, desenvolve sua teoria. Na área dos eventos materiais, ela revela os fatos políticos, traz consciência para as massas e mostra a elas o objetivo político. A propaganda armada agita o descontentamento do povo contra a ordem, libertando-o, com o tempo, dos efeitos da lavagem cerebral imperialista. Primeiro, ela sacode as massas e, passo a passo, torna-as conscientes, mostra a elas que a autoridade central não é tão forte quanto parece, que a força é, em primeira instância, baseada em gritos, intimidação e demagogia. A propaganda armada, a princípio, leva particularmente a visão das massas, que são levadas pela mídia imperialista, que se afundam nos problemas diários de subsistência, que colocam suas esperanças em um "partido" da ordem ou em outro, ao movimento revolucionário e cria um tumulto nas massas pacificadas e entorpecidas. No início, o constrangimento e a indecisão das massas, causados pela densa propaganda de direita (isso também inclui a mídia oportunista), mudam cada vez mais para a simpatia pelo movimento revolucionário. No entanto, em relação à oligarquia, que tira sua "máscara de justiça" em relação à ação armada e aumenta seu terror contra o povo em uma medida até então desconhecida, o constrangimento e a indecisão se transformam em antipatia, e as massas reconhecem a face feia da oligarquia. A organização que usa a propaganda armada como base torna-se a única fonte de esperança. Enquanto, de um lado, o desemprego e a inflação aumentam, e o descontentamento do povo beira o insuportável, a oligarquia, de outro lado, perde todo o seu prestígio, em primeiro lugar, aos olhos dos intelectuais e, portanto, aos olhos do povo. Por causa da propaganda armada, eles aumentam imensamente a repressão e o terror, e todos os direitos democráticos do povo desaparecem no armário. O partido que travar a guerra de guerrilha com sucesso limpará cada vez mais a esquerda dos parasitas, em primeiro lugar, reunindo as partes despertas do povo que estavam sob a influência das facções oportunistas da esquerda. As partes da população que foram confundidas pelos pacifistas - trabalhadores, camponeses, estudantes - se reúnem em torno da propaganda armada. Portanto, a propaganda armada reunirá, em primeiro lugar, a esquerda e os elementos sinceros que, a princípio, estavam sob a influência de diferentes tendências, se unirão em torno de uma única estratégia. A propaganda armada inclui a guerrilha rural e urbana, bem como a guerra psicológica e a guerra de desgaste. Manter a forma básica de luta dessa maneira não significa que outras formas de luta sejam negligenciadas. A organização que toma a propaganda armada como base também terá em suas mãos as outras formas de luta, comparadas às possibilidades. Entretanto, as outras formas de luta são secundárias. A propaganda armada é a forma básica de luta. Isso não significa que permaneçamos inativos em relação aos movimentos de massa econômicos e democráticos. A organização tentará, em relação à sua força, organizar as massas na área de seus direitos e desejos econômicos e democráticos. A organização tentará liderar todos os tipos de reações contra a oligarquia. No entanto, no início, será impossível ir a todos os lugares, a organização não participará de movimentos de massa que excedam sua força e que não estejam protegidos por armas. Proporcionalmente, de acordo com suas possibilidades, a organização se empenhará na educação política, na propaganda e na organização para alcançar a consciência, fora da propaganda armada. A luta de massa política clássica e a propaganda armada se revezam, estipulam uma à outra, dependem uma da outra e se influenciam mutuamente. As outras formas de luta política, econômica e democrática, fora da propaganda armada, estão sujeitas à propaganda armada e se formam de acordo com ela. (As formas de luta sujeitas tomam forma de acordo com a forma básica de luta. Portanto, elas tomam forma de acordo com os métodos de propaganda armada). A estratégia revolucionária que tem a propaganda armada como base e as outras formas econômicas e democráticas de luta como sujeitas a ela é chamada de Estratégia Politizada de Luta Militar. (PASS) Para a organização dessa estratégia, a luta ideológica não é um meio polêmico, ela leva à educação política de seus quadros. Essas são, em resumo, as visões da linha revolucionária e da linha revisionista que existem nos países sob ocupação do imperialismo no terceiro período de crise. Resumo Nesses países, existem dois desvios sob o nome de "revolucionários proletários": 1) A linha revisionista, clássica e "ortodoxa": (As qualidades) Olhar para o lado militar e o lado político em oposição um ao outro subestimando o lado militar. A função política do proletariado urbano à luz do modelo soviético, no qual o proletariado urbano desempenhou um papel fundamental, é excessivamente valorizada. Após a conquista de prestígio pela propaganda armada, essas organizações perderam prestígio e, então, abriram uma "filial" para construir a guerrilha. É claro que essa guerrilha permaneceu ociosa. Os revisionistas tomam a forma pacífica de luta como sua base, dividem as fases de evolução e revolução com uma linha nítida e rejeitam a guerra de vanguarda - embora o país esteja em uma crise nacional -. Isso cria espontaneidade. 2) Como resultado de uma análise equivocada da Revolução Cubana e como reação à visão acima mencionada, surgiu a linha da esquerda militante; a visão focalizada: nessa visão, as relações entre a cidade e o campo, a propaganda armada e as outras formas de luta não são vistas como uma unidade dialética; ela só usa totalmente a propaganda armada no campo, considera sem importância o papel submisso das cidades e as outras formas de luta. Na base desse ponto de vista está o pensamento de que os camponeses pegarão em armas imediatamente por meio da luta da vanguarda, e a guerra se transformará em uma guerra popular em um tempo muito curto. Nesse aspecto, essa linha também representa uma "espontaneidade" de "esquerda". No entanto, os defensores dessa visão desistiram dela, reconhecendo o confronto com os fatos da vida, onde eles estavam longe da realidade. Hoje em dia, em todo o mundo, quase não existem mais organizações de propaganda armada com essa visão de foco. Mahir Çayan (1946 - 1972) foi um revolucionário comunista turco e líder do Partido da Frente Popular de Libertação da Turquia. Ele era um líder revolucionário marxista-leninista. Em 30 de março de 1972, ele foi morto em uma emboscada pelas forças militares turcas com nove dos outros membros do THKP-C e THKO na vila de Kızıldere. Tradução de Gercyane Oliveira

  • Discurso na Cerimônia de Proclamação da Independência do Congo

    Patrice Lumumba Homens e mulheres do Congo, Vitoriosos combatentes da independência, Eu os saúdo em nome do governo congolês. Peço a todos vocês, meus amigos, que lutaram incansavelmente em nossas fileiras, que marquem este 30 de junho de 1960 como uma data ilustre que ficará gravada para sempre em seus corações, uma data cujo significado vocês explicarão com orgulho a seus filhos, para que eles, por sua vez, possam contar a seus netos e bisnetos a gloriosa história de nossa luta pela liberdade. Embora a independência do Congo esteja sendo proclamada hoje por meio de um acordo com a Bélgica, um país amigável, com o qual estamos em igualdade de condições, nenhum congolês jamais esquecerá que a independência foi conquistada por meio de luta, uma luta obstinada e inspirada, travada dia após dia, uma luta na qual não nos intimidamos com a privação ou o sofrimento e não poupamos forças nem sangue. Ela foi repleta de lágrimas, fogo e sangue. Estamos profundamente orgulhosos de nossa luta, porque ela foi justa, nobre e indispensável para pôr fim à humilhante escravidão que nos foi imposta. Esse foi o nosso destino durante os 80 anos de domínio colonial e nossas feridas estão recentes e dolorosas demais para serem esquecidas. Passamos por trabalhos forçados em troca de um pagamento que não nos permitia saciar a fome, nos vestir, ter um alojamento decente ou criar nossos filhos como entes queridos. De manhã, à tarde e à noite, fomos submetidos a zombarias, insultos e golpes por sermos "negros". Alguém poderá esquecer que o negro era tratado como "tu", não porque fosse um amigo, mas porque o educado "vous" era reservado para o homem branco? Vimos nossas terras serem confiscadas em nome de leis aparentemente justas, que reconheciam apenas o direito da força. Não nos esquecemos de que a lei nunca foi a mesma para brancos e negros, que era branda para uns e cruel e desumana para outros. Passamos por sofrimentos atrozes, sendo perseguidos por convicções políticas e crenças religiosas, e exilados de nossa terra natal: nosso destino era pior do que a própria morte. Não nos esquecemos de que, nas cidades, as mansões eram para os brancos e as cabanas em ruínas para os negros; que um negro não era admitido nos cinemas, restaurantes e lojas reservados aos "europeus"; que um negro viajava nos porões, sob os pés dos brancos em suas cabines de luxo. Quem se esquecerá dos tiroteios que mataram tantos de nossos irmãos, ou das celas nas quais eram impiedosamente jogados aqueles que não queriam mais se submeter ao regime de injustiça, opressão e exploração usado pelos colonialistas como ferramenta de sua dominação? Tudo isso, meus irmãos, nos trouxe um sofrimento incalculável. Mas nós, que fomos eleitos pelos votos de seus representantes, representantes do povo, para guiar nossa terra natal, nós, que sofremos no corpo e na alma com a opressão colonial, dizemos a vocês que, a partir de agora, tudo isso acabou. A República do Congo foi proclamada e o futuro de nosso amado país está agora nas mãos de seu próprio povo. Irmãos, vamos começar juntos uma nova luta, uma luta sublime que levará nosso país à paz, à prosperidade e à grandeza. Juntos, estabeleceremos a justiça social e garantiremos a cada homem uma remuneração justa por seu trabalho. Mostraremos ao mundo o que o homem negro pode fazer quando trabalha em liberdade e faremos do Congo o orgulho da África. Faremos com que as terras de nosso país natal realmente beneficiem seus filhos. Revisaremos todas as leis antigas e as transformaremos em novas leis que serão justas e nobres. Acabaremos com a perseguição ao livre pensamento. Cuidaremos para que todos os cidadãos desfrutem ao máximo das liberdades básicas previstas na Declaração dos Direitos Humanos. Erradicaremos toda discriminação, qualquer que seja sua origem, e garantiremos a todos uma posição na vida condizente com sua dignidade humana e digna de seu trabalho e de sua lealdade ao país. Instituiremos no país uma paz que não se baseie em armas e baionetas, mas em concórdia e boa vontade. E em tudo isso, meus queridos compatriotas, podemos contar não apenas com nossas próprias forças e riquezas imensas, mas também com a ajuda de numerosos países estrangeiros, cuja cooperação aceitaremos quando não tiver o objetivo de nos impor uma política estrangeira, mas for dada em um espírito de amizade. Até mesmo a Bélgica, que finalmente aprendeu a lição da história e não precisa mais tentar se opor à nossa independência, está preparada para nos dar sua ajuda e amizade; para esse fim, um acordo acaba de ser assinado entre nossos dois países iguais e independentes. Tenho certeza de que essa cooperação beneficiará os dois países. De nossa parte, devemos, manter-nos vigilantes, tentar observar os compromissos que assumimos livremente. Assim, tanto na esfera interna quanto na externa, o novo Congo que está sendo criado pelo meu governo será rico, livre e próspero. Mas para atingirmos nosso objetivo sem demora, peço a todos vocês, legisladores e cidadãos do Congo, que nos dêem toda a ajuda possível. Peço a todos que deixem de lado suas disputas tribais: elas nos enfraquecem e podem fazer com que sejamos desprezados no exterior. Peço a todos que não hesitem em fazer qualquer sacrifício para garantir o sucesso de nosso grande empreendimento. Finalmente, peço-lhes que respeitem incondicionalmente a vida e a propriedade dos compatriotas e dos estrangeiros que se estabeleceram em nosso país; se a conduta desses estrangeiros deixar muito a desejar, nossa Justiça os expulsará prontamente do território da república; se, ao contrário, sua conduta for boa, eles devem ser deixados em paz, pois também estão trabalhando para a prosperidade de nosso país. A independência do Congo é um passo decisivo para a libertação de todo o continente africano. Nosso governo, um governo de unidade nacional e popular, servirá a seu país. Convoco todos os cidadãos congoleses, homens, mulheres e crianças, a se dedicarem com determinação à tarefa de criar uma economia nacional e garantir nossa independência econômica. Glória eterna aos lutadores pela libertação nacional! Viva a independência e a unidade africana! Viva o Congo independente e soberano! Tradução de Gercyane Oliveira Nota histórica: Em 17 de janeiro de 1961, Lumumba foi transferido à força para a cidade de Lubumbashi, em Catanga, onde foi torturado e morto por um pelotão de fuzilamento comandado pelo líder rebelde Moïse Tshombe, ao lado de oficiais belgas. Os corpos nunca foram encontrados. No ano 2000, um ex-polícial belga, Gerard Soete, confessou à AFP a sua participação na execução de Lumumba e afirmou que os corpos do líder anticolonial e dos seus colaboradores foram dissolvidos em ácido. Não restou quase nada, apenas alguns dentes, acrescentou Soete, que faleceu pouco depois do depoimento. O ex-agente guardou um dos dentes, que permaneceu durante anos na posse da sua família na Bélgica como um troféu. Em junho de 2022, o procurador belga Frederic Van Leeuw entregou aos familiares de Lumumba uma pequena caixa azul que continha um dente — tudo que restou do herói assassinado — numa cerimônia transmitida pela televisão.

  • A luta de classes na luta de libertação do povo indonésio

    por Hendricus Sneevliet, 1926 A luta de classes na luta de libertação do povo indonésio por Hendricus Sneevliet, 1926 Os movimentos revolucionários em vários países coloniais e semicoloniais, surgiram com diferentes formatos, mas todos tinham um caráter profundamente anti-imperialista, e chamaram a atenção de todo o mundo. Do Marrocos à Coréia, tornaram-se conhecidos em maior ou menor grau e são de grande preocupação para os governos capitalistas, que se deram conta de que o desenvolvimento capitalista nesses países com grandes áreas territoriais, e muitas vezes densamente povoados, é de suma importância para a manutenção desse sistema. Como o imperialismo mundial se desenvolveu ainda mais nestas áreas, as massas de trabalhadores e camponeses atingidos pela penetração capitalista desempenham um papel maior. Durante muito tempo o movimento nacionalista revolucionário na China teve um caráter principalmente militar, como a revolta dos habitantes do Riff [2], que na época sob Abd-el-Krim, se manifesta principalmente como resistência militar. Como na China o sistema capitalista penetrou mais profundamente, desenvolvendo assim uma indústria significativa em várias áreas neste grande país, os proletários das áreas industriais cresceram em importância na luta contra o imperialismo de vários países. Na Indonésia, um imenso movimento camponês e operário se desenvolveu mesmo antes da Guerra Mundial. A ascensão da grande organização Sarekat Islam [3] remonta já em 1912. Um movimento puramente nacionalista, composto principalmente de intelectuais, precedeu este movimento. Na Indonésia, a derrota dos russos na guerra contra o Japão também teve um efeito nacionalista. Este nacionalismo levou ao estabelecimento da primeira organização política nativa, Boedi Oetomo [4], que inicialmente tinha um caráter radical e se pronunciou a favor da independência indonésia. Entretanto, não foi difícil para o governo colonial, e os moralistas coloniais, exercerem uma influência moderadora sobre esta organização, que desistiu de seu caráter político e que começou a se engajar principalmente em assuntos educacionais. Em vão, alguns revolucionários tentaram contrariar este declínio e acabaram cedendo ao apelo do dever dos líderes da associação indo-europeia Insulinde [5], com os quais iniciaram uma nova forma de propaganda nacionalista em prol da completa independência da Indonésia. Esta propaganda, realizada em Java, sem dúvida teve um impacto, e o partido indiano em desenvolvimento, sob a liderança de Douwes Dekker e Tjipto Mangoenkoesomo, obrigou o governo geral de Idenburg a tomar a decisão de proibir este partido. Sua propaganda, entretanto, não conseguiu encontrar eco entre os trabalhadores e camponeses, sendo completamente ignorada pelas massas. O desenvolvimento do capitalismo na Indonésia A principal razão para o desenvolvimento massivo do movimento islâmico Serakat em 1912 está, naturalmente, no rápido desenvolvimento do modo de produção capitalista na Indonésia. Desde 1870, o sistema de cultivo havia sido abolido definitivamente e a nova lei agrícola abriu o caminho para o desenvolvimento capitalista. Os princípios desta lei eram: Nenhuma interferência na propriedade rural dos indonésios; Proteção da propriedade de terras contra grupos populacionais economicamente mais fortes; Promoção da grande indústria agrícola. Enquanto na prática, com a introdução desta lei agrícola, este último princípio foi decisivo, os indonésios experimentaram por si mesmos todas as desvantagens de um capitalismo em rápido desenvolvimento. Pedaços de terra não utilizados foram arrendados em grande escala, de modo que só em Java mais de 500.000 hectares, e na propriedade externa [isto é, nas outras ilhas da Indonésia] 900.000 hectares, foram utilizados para acomodar a agricultura capitalista de grande escala, as plantações. A isto deve ser acrescentado o aluguel da terra para a próspera indústria açucareira. Esta última não poderia sobreviver apenas por ter à sua disposição terras não utilizadas. Precisava de campos férteis, utilizados pelos agricultores javaneses para cultivar arroz. Estabeleceu-se em mais de 12 províncias de Java e tem mais de 158.000 hectares de terras férteis à sua disposição, adquiridas por meio de arrendamento. Ao formalizar estes arrendamentos, a igualdade entre as duas partes foi assumida. Na prática, a introdução da lei agrícola de 1870 produziu um rápido desenvolvimento das culturas cultivadas, apoiado pela produção de petróleo e a mineração de minerais que acelerou o desenvolvimento capitalista. É útil analisar mais de perto a velocidade deste desenvolvimento através de alguns números. O valor total das importações para a Indonésia, que em 1906 totalizava 234 milhões de florins, subiu para 1.310 milhões em 1920. As exportações no mesmo período subiram de 330 para 2.268 milhões. Os nove maiores bancos da Indonésia trabalharam com um capital de 189.660.000 florins em 1897, e tinham 828.339.000 florins à sua disposição em 1921. A produção de açúcar cresceu nos últimos anos para mais de 1.800.000 barris de 1000 quilos cada um. O valor da exportação do tabaco: 91 milhões de florins em 1921. A exportação do copra (polpa seca do coco) naquele mesmo ano 87 milhões de florins, óleo produzido na Indonésia: 12 milhões de florins; exportação de café em 1921: 27 milhões de florins; a exportação de kina: 26 milhões de florins. O desenvolvimento da indústria petrolífera, por si só, forneceria material suficiente para escrever um artigo sobre o assunto. Através da forte concentração da produção, que em 1901 era de 433.000 toneladas, um aumento para 2.382.000 toneladas foi alcançado em 1923. A produção de estanho era de 26.500 toneladas em 1921 com um valor total de 39 milhões de florins. A produção de carvão subiu de 202.720 toneladas em 1900 para uma impressionante 1.054.000 toneladas em 1922. De fato, a Indonésia é um país rico. E há grandes possibilidades de desenvolvimento futuro. No escritório do governo que se ocupa de energia hidrelétrica, foram registrados os seguintes números: Para Java 500.000 HP (cavalos de potência). Para Sumatra 1.600.000 HP Para Celebes 500.000 HP Para Bornéu 400.000 HP Do ponto de vista empresarial, o conselho de trabalhadores fez um cálculo do lucro tributável dos empreendimentos capitalistas na Indonésia. É evidente (e o próprio comitê de trabalhadores reconheceu isto) que neste cálculo os números são mantidos no limite inferior. Empresas que tinham um capital de giro de menos de 10.000 florins foram excluídas do cálculo; o crescimento das empresas após 1920 não foi levado em conta; o grande significado do mesmo para o cultivo de borracha, palmeiras e plantas de fibras são indicados pelo conselho de trabalhadores. Além disso, eles excluíram "todas as empresas de origem não holandesa/indiana (por exemplo, britânicas, japonesas, americanas) que estão administrando um negócio fora do setor bancário e agrícola". Por este motivo, o próprio conselho de empresa eleva o valor calculado de 390.000.000 de lucros tributáveis até 450.000.000; o professor Treub, ligado ao conselho de empresa, até mencionou o valor de 550.000.000 na imprensa diária. Mesmo em órgãos capitalistas na Holanda, são dados números que são 100% superiores. Queremos mostrar com isto que ocorreu um importante desenvolvimento da produção capitalista, cuja natureza teve um impacto profundo na sociedade nativa. Os efeitos do capitalismo Quando os métodos modernos de produção ainda estavam no início, vários fatores civis na Indonésia já indicavam o resultado desastroso deste desenvolvimento para a sociedade nativa. O ex-membro do Conselho da Índia, A. Pruijs v.d. Hoeven, em 1894, escreveu em seu livro “40 anos de serviço indiano”: "O Javanês permaneceu em estado de tutela por tanto tempo que não está acostumado a ser forte em uma luta, que certamente virá, e que em seu próprio país ele sempre tem que ser o servo ou a presa de alguém. Fora da aristocracia e de alguns oficiais nacionais, só se encontra uma classe, vivendo em condições muito ruins. Uma classe média trabalhadora ainda não foi capaz de se formar. Por outro lado, o proletariado se desenvolveu nos últimos anos, enquanto nos primeiros tempos só se conseguia encontrá-los nas principais cidades. O fazendeiro, o gogol, o núcleo duro do povo, veem seus bens serem cobrados pelos serviços mais pesados, etc." Sete anos depois, P. Brooshoofd escreveu em seu "Curso de Ética": "O que fazemos para os nativos? A resposta é curta e direta: nós o empurramos para o abismo. Afundamo-lo no mesmo lago de miséria, no qual na sociedade ocidental milhões permanecem até o pescoço: exploração pelo dono do capital e, portanto, o poder do homem, que não tem nada além de seu próprio trabalho." Onze anos depois, em 1912, o conhecido senhor van Deventer voltou à Indonésia, após uma longa ausência. Ele declarou que o povo javanês ainda vivia nas mesmas circunstâncias difíceis que quando ele partiu em 1897. Capitalismo próspero na Indonésia, empobrecimento do camponês em grande escala. Houve repetidas comissões que estudaram a "prosperidade" da população nativa; seus resultados foram sempre esmagadores. Expansão do proletariado, que fornece sua força de trabalho sob as piores condições imagináveis. A próspera indústria do tabaco de Delhi até hoje ainda trabalha com escravos contratuais, condenados sob sanções penais [6]. E apesar do rápido crescimento do capitalismo, nenhuma classe média nativa - como Pruys v.d. Hoeven a chamou - se desenvolveu. Os visionários entre os elementos europeus mostram grande preocupação com este fenômeno. No relatório provisório do orçamento colonial para 1926 há uma referência a uma declaração do presidente do Banco Javanês, que vem de um relatório relativo a 1924/25. Esta declaração é a seguinte: "Do interior em geral e da população, se eu não me iludir totalmente, os líderes econômicos devem vir eventualmente. E a questão é, o que não pode ser respondido neste relatório, é claro, se na área aqui pretendida não há lugar para um envolvimento maior e mais poderoso do governo neste assunto, do que existe agora, e se não entre o progresso nesta área e as áreas restantes, onde o desenvolvimento da população é perseguido, contém uma certa desproporção, que ameaça o progresso e a paz em nossa sociedade." Em um artigo recentemente publicado pelo Dr. D. J. Hulshoff Pol Sr., que tenta identificar esses perigos e tenta encontrar soluções, encontra um reconhecimento indireto da falta de uma classe na Indonésia, que se beneficia diretamente do próspero desenvolvimento capitalista. Quem quiser alcançar o "eu manterei", aproveitando a velha nobreza da Indonésia de um modo diferente do que está acontecendo no atual governo, e quem quiser restaurar o velho brilho da nobreza e governar através dos sultões, é suficientemente moderno para dar conselhos práticos às autoridades para interessar diretamente estes em empreendimentos capitalistas. A este respeito, não precisamos entrar aqui em detalhes para provar que, apesar da riqueza da Indonésia, os interesses do povo são negligenciados em todas as áreas. O rápido desenvolvimento do capitalismo deu origem a um amplo movimento do povo, que se originou como Sarekat Islam na maior parte de Java, em 1912. Qual era a natureza deste movimento? Apesar de seu nome, ele não é um movimento essencialmente religioso. Os homens do front, os propagandistas deste movimento, provaram que vários fatores determinaram as atividades deste movimento popular. Lembramos que encontramos o líder do conselho, Raden Mas Tjokroaminoto pela primeira vez em sua casa, enquanto ele estudava o Pr. Quack 's Persons and Systems, aparentemente procurando uma base teórica e um programa prático para o movimento. Isto provou que estávamos às vésperas de um despertar da classe trabalhadora javanesa. Esse despertar foi tão grande que a pequena comunidade europeia na Indonésia estava cheia de medo e exigia medidas mais severas de violência. Mas dentro da comunidade europeia, foram feitas avaliações claras que reconheceram o significado político e econômico deste movimento. Foi o [oficial do governo] residente de Rembang, Gonggrijp, que foi o primeiro a comparar o movimento islâmico Serakat com o movimento trabalhista inglês no início do século anterior. A atividade do Islã Sarekat parecia ser tanto nacionalista quanto religiosa, mas acima de tudo era política e econômica: as massas de camponeses pobres e os proletários das cidades tinham começado a resistir à sua exploração. A influência socialista no movimento islâmico Sarekat O Governo Geral de Idenburg entendeu muito bem que não podia lidar com o Islã Sarekat da mesma forma que com o partido indiano existente [7], constituído principalmente por indo-europeus. Ele não gostava de brincar com o fogo. Ele pertencia aos componentes éticos coloniais, em cujas fileiras podemos encontrar protestantes, católicos, liberais e social-democratas. Sua estratégia política tinha como objetivo controlar o Islã Sarekat, tentando persuadi-los a usar uma ação moderada e diminuir a ação direta que acontecia quase todos os dias, tanto nas regiões açucareiras como nas cidades. Ele tentou alcançar o mesmo sucesso que havia acontecido em dias anteriores com Boedi Oetomo. Um grupo de socialistas europeus de várias origens, que se apresentaram em 1914 como uma associação social-democrática indiana, e ao qual alguns javaneses aderiram, enfrentou em primeiro lugar a questão: Para usar propaganda ou não? Para operar como um grupo de estudo ou como um movimento político? Eles optaram por agir como um partido político. Por um lado, eles se mantiveram ocupados organizando os sindicatos com o objetivo de trazer os elementos proletários para seu movimento. Por outro lado, eles tentaram estabelecer relações amigáveis com o Islã Sarekat e os restos mortais do partido indiano perseguido. Com sua luta pela liberdade de expressão dos jornalistas nativos, eles tentaram ganhar a confiança do movimento do povo indonésio. Desta forma, tentaram reduzir a zero a influência da propaganda governamental entre os líderes do Islã Sarekat. Não foi possível chegar a uma relação de cooperação permanente com os remanescentes do partido indiano, de forma desigual. Eles ainda viam um perigo na propaganda socialista e no avanço das ideias de luta de classes. Contra o internacionalismo dos socialistas eles colocaram seu nacionalismo, embora os socialistas da I.S.D.V. [8] tenham declarado explicitamente em seu programa do partido que a independência da Indonésia tinha que ser considerada como um dos principais objetivos de sua ação. Dois fatores contribuíram para que, apesar de seu caráter inicial europeu, a I.S.D.V. conseguisse trazer tendências anticapitalistas e socialistas para o trabalho do Islã Sarekat. A luta de classes na Indonésia é a luta contra o capitalismo estrangeiro, pois não há burguesia indonésia. É uma luta contra o capitalismo holandês e outro capitalismo estrangeiro. Ao mesmo tempo, é uma luta contra um governo estrangeiro que atua claramente como um agente de interesses capitalistas. Em questões práticas da luta de classes (por exemplo, a controversa campanha contra o Indië Weerbaar [9]), a I.S.D.V. se posicionou muito claramente a favor dos interesses do povo indonésio. E embora o governo tivesse conseguido - com a colaboração de vários membros coloniais - trazer uma grande parte dos líderes do Islã Serakat para apoiar o movimento Indië Weerbaar, os primeiros sinais de uma esquerda forte foram visíveis dentro do Islã Serakat, guiados por elementos que vieram tanto do I.S.D.V. quanto dos sindicatos. Como a propaganda nacionalista do partido indiano (após sua dissolução, reformou-se como a associação Insulinde) passou por cima das cabeças das massas, a I.S.D.V. ocupou-se de todas as questões práticas importantes, o que tornou possível influenciar o movimento do Islã Serakat com ideias mais revolucionárias. Naturalmente, nos escritos da 2ª Internacional muito pouco foi encontrado que tornasse mais fácil elaborar estratégias. No entanto, havia indicações disponíveis, tanto nas obras de Kautsky quanto nas de Radek e Rosa Luxemburgo, que forneceram à maioria dos argumentos da I.S.D.V. para rejeitar toda tentativa do lado reformista de transformar a I.S.D.V. em nada mais do que um grupo de estudos. Contra todos os ataques dos reformistas, que se opunham à propaganda direta malaia, com a ajuda de indivíduos javaneses que haviam aderido à I.S.D.V., cada vez mais atenção era dedicada a esta propaganda, tanto na propaganda política como no trabalho dos sindicatos. Influência da Revolução Russa e da 3ª Internacional A Indonésia está muito longe da Rússia. Especialmente em tempo de guerra, as informações sobre o desenvolvimento da Revolução Russa de fevereiro a outubro de 1917 eram muito pobres. Logo após fevereiro, a Revolução Russa foi, contudo, uma parte importante da propaganda conduzida pela I.S.D.V. As autoridades coloniais contribuíram para a penetração desta propaganda entre as massas, e era inconfundível que dentro do Islã Sarekat a ala esquerda foi significativamente reforçada por esta propaganda. No congresso realizado por este movimento em 1918, a ala esquerda parecia ter uma influência dominante. A situação geral na Indonésia era extraordinariamente desfavorável. Enormes dificuldades ocorreram no campo do abastecimento de alimentos. Ao mesmo tempo, o capitalismo colonial obteve enormes lucros. A I.S.D.V. havia atraído a liderança do Islã Serakat para uma ação conjunta na qual ambos exigiam a redução das plantações de açúcar. No programa do Islã Sarekat, a luta contra o "capitalismo pecaminoso" foi indicada como um dos principais objetivos, e os princípios da luta de classes continuaram a espalhar sua influência no movimento do povo indonésio. E depois de 1918, quando as maiores dificuldades foram superadas pelo governo e certas concessões foram feitas para atender às exigências dos proletários indonésios, surgiram dificuldades entre a ala esquerda do Islã Sarekat e a liderança do movimento, o que finalmente resultou na exclusão dos membros revolucionários no congresso de Madijoen de 1922; no entanto, os princípios da luta de classes penetraram profundamente no movimento do povo indonésio. Em sua perseguição dos elementos revolucionários, o governo aplicou um sistema, que ainda hoje utiliza, que consiste em retirar os líderes dos movimentos revolucionários, para que com a retirada dos líderes pudesse facilmente conter o que restava daquele movimento. Mas isto não poderia impedir que a prática cotidiana do capitalismo mostrasse em termos realistas a necessidade da luta de classes para a maioria dos indonésios, também como resultado da propaganda realizada desde o estabelecimento da 3ª Internacional sob os trabalhadores e agricultores dos países coloniais e semicoloniais. Por estas razões, o movimento do povo indonésio não mudou seu rumo. É claro que existe uma forte interação entre os vários movimentos que são diferentes na forma, mas similares na essência, que se desenvolveram entre as pessoas de cor ao redor do mundo e que foram reunidos pela 3ª Internacional. No meio da Revolução Russa, os representantes dos movimentos revolucionários entraram em contato uns com os outros. Eles discutiram as experiências que haviam sido adquiridas. E a liderança da 3ª Internacional não retirou por um momento sua atenção na promoção desses movimentos revolucionários. Pelo contrário, como ficou claro que a luta de classes do proletariado nos antigos países capitalistas só avançou em direção à revolução popular a um ritmo extremamente lento, os movimentos revolucionários nos países coloniais e semicoloniais vieram cada vez mais para o centro das atenções. Estes movimentos também não se desenvolvem em linha reta. Enquanto há alguns anos, o movimento de massas na Índia britânica, sob a orientação do Mahatma Gandhi, ameaçou tornar-se um perigo direto para a dominação britânica, agora isso é completamente neutralizado pelos britânicos e o centro da luta nos países coloniais e semicoloniais agora se mudou para a China. Os líderes da 3ª Internacional compreendem a importância disso, como ficou claro na declaração de Zinoviev [10], em uma reação às grandes greves de meados do ano passado: "No momento em que os trabalhadores chineses passam de exigências econômicas moderadas para o slogan 'abaixo com os imperialistas', eles se tornam o fator mais importante da revolução mundial do proletariado." Diretrizes claras para os diferentes países coloniais vieram de Moscou, o que reduziu significativamente a chance de erros graves. Não há poder no mundo que possa impedir os movimentos coloniais usando informações dadas a partir do centro da revolução mundial. Sob a influência da 3ª Internacional, após o congresso de 1920, a I.S.D.V. se transformou em um Partido Comunista, que tanto em Java como nas propriedades externas [isto é, outras ilhas indonésias] se esforça para reforçar o movimento dos trabalhadores e agricultores como uma força consciente anti-imperialista. Este trabalho para o desenvolvimento do movimento sindical indonésio tem sido conduzido em toda a Indonésia. Os burocratas da I.V.V. serão sem dúvida capazes de encontrar algumas falhas válidas no funcionamento destas organizações. Suas ações não impressionam o movimento popular nos países coloniais e semicoloniais. Seu reformismo não tem nenhum controle sobre as massas proletárias, que sentem a exploração dos capitalistas em seu pior momento. Que os elementos comunistas na Indonésia são ativos, na luta contra o capitalismo, é comprovado pelas muitas greves que foram realizadas em toda a Indonésia. E o fato de que estas greves causam uma impressão na comunidade europeia e dentro da Indonésia, é demonstrado pelas muitas acusações dos líderes do movimento grevista. Além disso, o movimento comunista na Indonésia cumpre sua tarefa também nas dessas plantações de arroz, levando a população agrícola a resistir ao imperialismo e ao domínio colonial. Informações detalhadas sobre a propaganda entre os agricultores são supérfluas aqui pela simples razão de que a imprensa diária está constantemente publicando notícias sobre as atividades de nossos camaradas. Temos apontado que a luta interior dentro do movimento islâmico Sarekat levou a uma cisão em 1922. A ala esquerda, que está sob controle comunista, fundou o movimento Sarekat Rajat, representando o perigo das duas partes do movimento do povo indonésio, cada uma desperdiçando suas energias. A 3ª Internacional apontou claramente que deve haver uma frente unida entre estas duas partes, que, socialmente falando, consistem nos mesmos elementos. São eventos estrangeiros que reforçam a restauração desta conexão. Estes exercem uma influência maior do que os conflitos individuais que se desenvolveram entre Sarekat Rajat e Sarekat Islam. Os desenvolvimentos em outros países, como a China, Turquia e Marrocos, levam a liderança do Islã Sarekat a se declarar solidária com a resistência anti-imperialista que está ocorrendo nesses países. Eles não veem nenhum valor na conquista de um status legal por parte do governo. O elemento revolucionário pode ser visto repetidamente em sua propaganda. E embora nessa mesma propaganda, segundo várias fontes, o elemento religioso tenha se tornado mais forte, estamos convencidos de que nossos companheiros indonésios conseguiram formar uma frente unida e restaurar a unidade no movimento popular. A colaboração da 3ª Internacional acelerou este processo, e com isso ganhará consideravelmente em força. Continuará a ser um movimento puramente anti-imperialista. Eles continuarão se concentrando na completa independência da Indonésia. Eles continuarão conduzindo a luta de classes contra o capitalismo na Indonésia, reforçando os sindicatos. Eles manterão vínculos com movimentos similares em outras colônias, a despeito de todas as dificuldades. Ele, o movimento do povo indonésio, continuará a desempenhar um papel importante nessa grande luta das massas dos países coloniais e semicoloniais, com os quais darão uma grande contribuição à revolução mundial do proletariado. Referências [1]De Klassenstrijd 1926, (p 17). Hendricus Josephus Franciscus Marie Sneevliet , conhecido como Henk Sneevliet ou pelo pseudônimo "Maring" (13 de maio de 1883 - 13 de abril de 1942), foi um político comunista holandês que atuou tanto na Holanda quanto nas Índias Orientais Holandesas . Como funcionário da Internacional Comunista , Sneevliet orientou a formação do Partido Comunista da Indonésia em 1914 e do Partido Comunista Chinês em 1921. Em seu país natal, ele foi o fundador, presidente e único representante do Socialista Revolucionário ( Partido dos Trabalhadores(RSP/RSAP). Ele participou da resistência comunista contra a ocupação da Holanda durante a Segunda Guerra Mundial pela Alemanha nazista , pela qual foi executado pelos alemães em abril de 1942. [2] Sneevliet refere-se à insurreição do povo Riff (1921-1926) em Marrocos sob a orientação de Abd-el-Krim. Após a batalha de Anoual, os ocupantes das montanhas Riff esmagaram os espanhóis em 1921 e Abd-el-Krim não pôde mais voltar. Ele era visto como um gênio militar por seus compatriotas. Em 1923, proclamou a República Riff, e com isso romperam com o passado autocrático e feudal. Abd-el-Krim aprendeu rapidamente o jogo da política e aproveitou os antagonismos entre os imperialistas. O jovem partido comunista da França fez uma campanha por ele. Para esmagá-lo e a seus exércitos, foi necessária uma cooperação entre os exércitos espanhol e francês: sob a orientação do marechal Pétain, eles tiveram que implantar grandes recursos. Após 21 anos de exílio, Abd-el-Krim conseguiu autorização para se estabelecer no Egito, onde morreu em 1962. Líderes revolucionários do mundo sempre o visitavam quando vinham ao Egito. Abd-el-Krim continuou a manter contato com o líder comunista, Ho Chi Minh. Mao Zedong e Tito reconheceram que aprenderam muito com este líder marroquino. Em 1971, Mao disse a uma delegação palestina do Fatah: “ Vocês vieram até mim para me ouvir falar sobre uma guerra popular de libertação, mas em sua própria história recente vocês possuem Abd-el-Krim. Ele é uma das fontes de inspiração mais importantes, das quais aprendi o que é exatamente a guerra de libertação popular .” [3] O movimento Sarekat Islam foi fundado em 1911 por Hadji Omar Said Tjokroaminoto. O nome original era Sarekat Dagang Islam, que significa Organização Islâmica do Comércio. Originalmente, era uma organização de um grupo de comerciantes para proteger o comércio local contra importações chinesas baratas. O movimento Sarekat Islam rapidamente se desenvolveu em uma organização política, que obteve muito apoio no interior de Java. O Islã não foi a única fonte de inspiração; o comunismo também era uma grande parte da ideologia do movimento. Suas maiores contrapartes eram o Partai Kommunis Indonesia (de Sneevliet). No final, o movimento caiu sob a influência dos marxistas e a organização se dividiu em pequenas frações, como Muhammadyah e o movimento islâmico ortodoxo Nahdatul Ulama. [4] Em 1908 foi fundada a organização de Boedi Oetomo (a bela luta). Em 1908, tinha quase 1200 membros. A maioria deles eram funcionários públicos e empresários de classe média. O objetivo da organização era organizar todos os habitantes nativos da Indonésia, e o desenvolvimento harmonioso do país. O governo holandês logo se interessou por esse movimento; pensava-se que, sem o líder certo, logo poderia se transformar em um movimento revolucionário. Assim, o governo holandês forneceu um líder: Raden Tirto Koesoemo. Eles esperavam que pudessem cooperar com ele. Mas o problema é que Boedi Oetomo não conseguiu muitos avanços. [5] Continuação do Indische partij depois que este partido foi banido. Este movimento não foi tão radical quanto seu antecessor. Ver [7]. [6] Uma punição muito dura dada aos cules quando eles fugiram ou fizeram algo errado. Hoje chamaríamos isso de tortura, mas naquela época era uma parte 'normal' das leis holandesas-indonésias, chamada de 'koelieordonnatie' de 1880. [7] Fundada em 1912 por Ernst Douwe Dekker (família do famoso escritor holandês Eduard Douwe Dekker, que escreveu 'Max Havelaar' sob o pseudônimo de Multatuli) e Tjipto Mangoenkoesoemo e Ki Hadjar Dewantara. Eles usaram o slogan “Rompem da Holanda”. O partido não obteve o apoio dos indonésios nativos que esperava. No entanto, as autoridades viram isso como uma ameaça e proibiram a festa em 1913. [8] Indische Social Democratische Vereniging. Fundada por Henk Sneevliet. O ISDV era uma organização marxista. Foi a base a partir da qual mais tarde se desenvolveu o PKI comunista. [9] Em 1914, o Boedi Oetoemo (ver nota 4) lutou sem sucesso por um exército indonésio (a ação foi chamada de Indie weerbaar). O maior apoio para esta ação veio da TV (Movimento Teosófico). A TV entrou em conflito direto com socialistas como Sneevliet e Semaoen. Indie weerbaar foi o primeiro grande debate político que dividiu a Indonésia. Contribuiu de muitas maneiras para a polarização da esquerda e da direita dentro do Serakat Islam, e na Indonésia em geral, e contra a autoridade holandesa. Portanto, seu efeito foi exatamente o oposto das ideias dos fundadores sobre a harmonia entre as classes. Os primeiros artigos políticos que apareceram em jornais locais dos últimos líderes do PKI (que era o maior partido comunista não governamental do mundo) como Semaoen, Darsono e Alimin eram dirigidos contra membros da TV. Van Hindeloopen e Labberton foram as pessoas mais criticadas na imprensa de esquerda em 1916-1917. [10] Grigori Zinoviev (Elizavetgrad, 11 de setembro de 1883 – Moscou, 25 de agosto de 1936) foi um político comunista soviético-russo e teórico marxista. Ele foi um dos aliados mais leais de Lenin e trabalhou para ele na Suíça. Após a revolução de outubro, ele ocupou o cargo de secretário do partido. Durante a doença de Lenin (1922-1924) formou uma coalizão com Stalin e Kamenev. Embora fosse visto como o sucessor de Lenin, Stalin tornou-se o novo líder da União Soviética. Em 1925, ele e Kamenev formaram uma coalizão com Trotsky contra Stalin. Eventualmente, ele pagou com sua vida por esta ação. Ele morreu por um pelotão de fuzilamento após um show em 1936. Tradução de Gercyane Oliveira

  • Mulheres árabes mulçumanas e rupturas históricas no sistema patriarcal

    por Gercyane Oliveira Para muitos, pode parecer contraditório e até absurdo falarmos de mulheres árabes muçulmanas capazes de provocar rupturas no sistema patriarcal ou evidenciar as rachaduras do mesmo. São mulheres que demonstram que não é o islã que violenta e despe mulheres de seus direitos básicos, mas, sim, uma sociedade historicamente construída na opressão feminina. Khawlah Bint e Lubna Al-Qurtubi são exemplos dessas mulheres e, a partir de agora, falaremos um pouco sobre elas. Khawlah bint al-Azwar (Século VII - 639) Khawlah é uma das maiores mulheres da história árabe e muçulmana. Era filha do chefe da tribo árabe Banu Assad. Sua tribo se converteu ao islamismo durante a vida do Profeta Muhammad. Seu irmão, Dhiraar bin al-azwar, era soldado e comandante do exército rashidun, um dos mais organizados e poderosos da época, e conhecido por excelentes estratégias e disciplina dos soldados. Na batalha de Sanita - al - Ugab que aconteceu em 364, durante o cerco de Damasco, Dhiraar estava liderando o exército muçulmano, mas foi ferido e feito prisioneiro pelos bizantinos. Khalid Ibn Walid, responsável pelo exército de Medina e famoso militar por suas táticas e destreza, foi ao resgate de Dhiraar. Enquanto isso, Khawlah pegou a armadura, as armas, a égua de um cavaleiro, se envolveu em um xale verde e foi lutar contra o batalhão bizantino. Khawlah acompanhou o exército muçulmano e avançou sozinha contra a retaguarda bizantina. Em sua armadura, ela não foi reconhecida. Na verdade, o exército muçulmano pensou que ela era o próprio Khalid Ibn Walid por conta de suas excelentes habilidades em equitação e combate. Ao final da batalha, Khalid ordenou que o exército perseguisse os bizantinos em fuga e conseguiu libertar prisioneiros muçulmanos. Após esse episódio, Khawlah começou a liderar batalhas. Ela foi imprescindível para a conquista de territórios que hoje são conhecidos como Síria, Palestina e Jordânia. Uma outra batalha travada por Khawlah foi a de Yarmuk. Essa batalha, entre muçulmanos e bizantinos, durou 6 dias (15 a 20 de agosto de 636). O nome de batalha se deve ao rio nas proximidades, o rio Yarmuk, região que atualmente é a fronteira entre a Síria e a Jordânia. O lado muçulmano saiu vitorioso da batalha, acabando com o domínio bizantino na Síria. No quarto dia da batalha de Yarmuk, talvez um dos mais difíceis para o exército muçulmano, Khawlah liderou um grupo de mulheres contra o império bizantino, conseguindo derrotar o comandante chefe. Atualmente, muitas cidades e escolas da Arábia Saudita levam o nome de Khawlah bint al-Azwar. Há também uma unidade iraquiana só de mulheres com o nome de Khawlah. Nos Emirados Árabes Unidos, o primeiro colégio militar feminino recebeu o nome de Khawlah. Na história islâmica, seu nome é lembrado quando se pensa em grandes generais. Lubna Al-Qurtubi (Segunda metade do século X) https://nisa2muslimat.wordpress.com/ Lubna Al-Qurtubi nasceu na Espanha como escrava e foi outra grande mulher muçulmana e protagonista da história árabe. Provavelmente não era de uma família muçulmana, pois o Alcorão proíbe tomar outros muçulmanos como escravos. Porém, não há registros se ela teria se convertido mais tarde ao islamismo ou não. Acredita-se que tenha sido autodidata. Depois de se mostrar brilhante em várias áreas do conhecimento, ela começou a trabalhar na corte real Omíada. Lubna também se tornou famosa pela qualidade de suas poesias. Além disso, ela era matemática e secretária do Palácio, servindo de conselheira para o sultão Abd Al Rahman III e seu filho, que o sucedeu. Também foi bibliotecária responsável pela biblioteca de Medina Al Zahra, adicionando mais de 500 mil livros à biblioteca. Essa biblioteca era uma das maiores e mais importantes da época em todo o mundo. Ela mesma havia traduzido muitos dos 500 mil livros, como é o caso de textos históricos gregos que, de outra forma, teriam sido perdidos no tempo. Ensinava matemática para crianças na rua. Muitos relatos indicam que várias dessas crianças a procuravam para aprender mais, prova de que era uma professora habilidosa. Ela foi uma das primeiras mulheres que passou a viajar desacompanhada. Teria viajado pelo Oriente Médio procurando livros para a livraria. Há registros de suas viagens para o Cairo, Damasco e Bagdá. Apesar de mulheres intelectuais na corte ou em posições na realeza não fosse algo raro no Califado, não era exatamente comum. Mas, colocar uma mulher no poder era uma grande prova de confiança e uma evidência de que muitas mulheres tiveram papéis significativos durante os 1400 anos de história islâmica. É preciso recuperar a história e a resistência feminina no Oriente Médio e Norte da África. Da direita à esquerda, no feminismo ocidental, o discurso para usar outros povos como métrica de civilização é banalizado. Como para encontrar a pobreza, violência, fundamentalismo etc. é necessário um exílio forçado. “O inferno são os outros!”, já diria Sartre, na peça “Entre quatro paredes”. aí o outro como o próprio autor discute é realizado no olhar onde um sujeito tem o poder de categorizar, qualificar, objetificar ao ponto de desumanizar o que está além de si. Este é o olhar orientalista acerca das mulheres árabes muçulmanas.

  • As Marianas

    Leisy Figueredo Milanés - Departamento de Historia de Cuba da Universidade de Havana Fidel Castro Ruz considerou que as mulheres poderiam realmente pegar em armas e seriam ainda melhores e mais disciplinadas que os homens. Na mentalidade de numerosos camaradas, essas mulheres nunca poderiam lutar; na mentalidade de alguns camaradas, era um erro entregar uma arma a uma mulher, quando — segundo diziam — havia muitos homens para lutar. No entanto, os fatos demonstraram uma verdade: que aquelas mulheres lutaram contra os soldados da tirania, que aquelas mulheres lutaram, e infligiram ao inimigo uma proporção maior de baixas do que os homens em outros combates. [1] A luta das mulheres pela emancipação em Cuba já tem alguns séculos. A coragem e o ímpeto da mulher cubana não estão restritos a um determinado setor. Atualmente, o equilíbrio de gênero pende a seu favor, a ascensão de mulheres artistas, médicas, professoras, engenheiras, cientistas, atletas, pesquisadoras, policiais, agricultoras demonstram isso. A Revolução Cubana, juntamente com as milhares de mulheres que não desistiram, que lutaram para concretizar seus sonhos e trabalharam arduamente para proporcionar a suas filhas uma sociedade menos patriarcal e mais inclusiva, tem sido o agente fundamental de mudança em todo o processo emancipatório. Com Fidel Castro no comando, Cuba tornou-se um laboratório social. Alcançar a igualdade de gênero tem sido uma premissa fundamental e, embora muito trabalho ainda esteja sendo feito para alcançá-la, os frutos já estão sendo colhidos. Desde antes do triunfo revolucionário, seu líder máximo dava passos firmes para uma maior inserção das mulheres nas tarefas do Exército Rebelde. O que começou como um grupo de mulheres que ofereciam seu apoio dentro da guerrilha, transformou-se em um esquadrão feminino de combate chamado Mariana Grajales. Fidel Castro considerou que as mulheres poderiam realmente pegar em armas e seriam ainda melhores e mais disciplinadas que os homens. Convocou uma reunião com os membros do comando do Exército Rebelde e embora tenha encontrado o apoio de vários combatentes, em particular o apoio da heroína Célia Sánchez Manduley, sabia que encontraria adversários ao tomar tal decisão, porque prevalecia em alguns a desconfiança na habilidade combativa das mulheres. Ao final da reunião, após horas de discussão, no dia 4 de setembro de 1958, foram à Rádio Rebelde e ali se formou o pelotão de mulheres do Exército Rebelde, que ficou para a história como Las Marianas ou Las Marianas de la Sierra. Essas meninas, inspiradas nas mais profundas raízes patrióticas do povo cubano, exerceram ofícios próprios e souberam enfrentar os preconceitos machistas da época, reivindicando o direito de lutar contra o regime de Fulgêncio Batista como integrantes do Exército Rebelde, pegando em armas e lutando contra o inimigo na linha de frente do combate. Eles eram: 1 - Chefe: Isabel Luisa Rielo Rodríguez, San Luis, Santiago de Cuba. 2 - Segundo chefe: Delsa Esther Puebla Viltres (Teté), Yara, Granma. 3 - Olga Esther Guevara Pérez (Olguita), Pilon, Granma. 4 - Ángela Antolín Escalona (Angelina), Campechuela, Granma. 5 - Edemis Tamayo Núñez (a Galega), Bartolomé Masó, Granma. 6 - Orosia Soto Sardina, Buenavista, Granma. 7 - Flor Celeste Pérez Chávez, Yara, Granma. 8 - Eva Rodríguez Palma, Buey Arriba, Granma. 9 - Lilia Rielo Rodríguez, San Luis, Santiago de Cuba. 10 - Rita García Reyes, Jiguaní, Granma. 11 - Juana Bautista Peña Peña, Pilon, Granma. 12 - Ada Bella Acosta Pompa, Buey Arriba, Granma. 13 - Norma Rosa Ferrer Benítez, Yara, Granma. O Pelotão Mariana Grajales teve seu batismo de fogo no combate de Cerro Pelado, em 27 de setembro de 1958. A General de Brigada Teté Puebla conta que quando o Pelotão foi criado, o Chefe do Exército Rebelde disse a elas: "Agora vocês começarão sendo minha guarda pessoal", e assim demonstrou sua confiança nelas. Precisamente Teté, após a vitoriosa Batalha de Jigüe (de 11 a 21 de julho) foi escolhida pelo Comandante Chefe para ser a mensageira rebelde e coordenar a entrega de centenas de prisioneiros à Cruz Vermelha Internacional. O Pelotão de Mulheres ingressou na Caravana da Liberdade em 2 de janeiro de 1959 e entrou em Havana em 8 de janeiro com Fidel. [1] Fidel Castro Ruz, em seu discuro de 23 de agosto de 1960. *Tradução de Elton Rodrigues, do original “Las Marianas de la Sierra”, publicado em https://www.pcc.cu/noticias/las-marianas-de-la-sierra, em 4 de setembro de 2021

  • Comunismo e Pan-Islamismo

    Tan Malaka (1922) Este é um discurso feito pelo marxista indonésio Tan Malaka no Quarto Congresso da Internacional Comunista, em 12 de novembro de 1922. Discordando das teses elaboradas por Lenin e adotadas no Segundo Congresso, que enfatizaram a necessidade de uma "luta contra o pan-islamismo", Tan Malaka defendeu uma abordagem mais positiva. O professor Tan Malaka (1897-1949) foi eleito presidente do Partido Comunista da Indonésia em 1921, mas, no ano seguinte, foi forçado a deixar as Índias Orientais pelas autoridades coloniais. Após a proclamação da independência em agosto de 1945, ele retornou a Indonésia para participar da luta contra o colonialismo holandês. Tan Malaka se tornou um líder do Partai Murba (Partido Proletário), formado em 1948 para organizar a oposição da classe trabalhadora ao governo de Soekarno. Em fevereiro de 1949, Tan Malaka foi capturado pelo exército indonésio e executado. Camaradas! Depois de ouvir os discursos do general Zinoviev, do general Radek e de outros camaradas europeus, e considerando a importância, também para nós no Oriente, da questão da frente única, penso que tenho de me pronunciar, em nome do Partido Comunista de Java, pelos milhares de povos oprimidos do Oriente. Tenho que fazer algumas perguntas aos dois generais. Talvez o general Zinoviev não estivesse pensando em uma frente única em Java; talvez nossa frente única seja algo diferente. Mas a decisão do Segundo Congresso da Internacional Comunista significa, na prática, que temos de formar uma frente única com o nacionalismo revolucionário. Visto que, como temos de reconhecer, a formação de uma frente única é necessária também no nosso país, a nossa não pode estar com os social-democratas, mas tem de estar com os nacionalistas revolucionários. Mas as táticas usadas pelos nacionalistas contra o imperialismo muitas vezes diferem das nossas; tomemos, por exemplo, o boicote e a luta de libertação muçulmana, o pan-islamismo. Essas são as duas formas que estou considerando especificamente, por isso faço as seguintes perguntas. Primeiro, devemos apoiar o movimento nacional de boicote ou não? Em segundo lugar, devemos apoiar o pan-islamismo, sim ou não? Se sim, até onde devemos ir? O boicote, devo admitir, certamente não é um método comunista, mas é uma das armas mais afiadas disponíveis na situação de submissão político-militar no Oriente. Nos últimos dois anos, vimos o sucesso do boicote do povo egípcio de 1919 contra o imperialismo britânico, e, novamente, do grande boicote chinês no final de 1919 e início de 1920. O movimento de boicote mais recente foi na Índia britânica. Podemos assumir que, nos próximos anos, outras formas de boicote serão empregadas no Oriente. Sabemos que não é o nosso método; é um método pequeno-burguês, algo que pertence à burguesia nacionalista. Podemos dizer mais — que o boicote significa apoio ao capitalismo desenvolvido internamente; mas também vimos que, em sequência ao movimento de boicote na Índia britânica, há agora 1.800 líderes definhando na prisão; que o boicote gerou, na verdade, uma atmosfera muito revolucionária, que o movimento realmente forçou o governo britânico a pedir ao Japão apoio militar, no caso de se transformar em uma revolta armada. Também sabemos que os líderes maometanos na Índia — Dr. Kirchief, Hasret Mahoni e os irmãos Ali — são, na realidade, nacionalistas; não tivemos como registrar quando Gandhi foi preso. Mas as pessoas na Índia sabem muito bem o que todo revolucionário lá sabe: que um levante local só pode terminar em derrota, porque não temos armas ou outro material militar lá, daí o fato de o movimento de boicote se tornar, agora ou no futuro, urgente para nós, comunistas. Tanto na Índia quanto em Java, estamos cientes de que muitos comunistas estão dispostos a proclamar um movimento de boicote em Java, talvez porque as ideias comunistas emanadas da Rússia tenham sido esquecidas há muito tempo, ou talvez porque houve um desencadeamento do sentimento comunista na Índia britânica, que poderia desafiar todo o movimento. Em todo caso, somos confrontados com a questão: devemos apoiar essa tática, sim ou não? Até onde podemos ir? O pan-islamismo é uma longa história. Em primeiro lugar, falarei sobre nossas experiências nas Índias Orientais, onde cooperamos com os islâmicos. Temos em Java uma organização muito grande, com muitos camponeses extremamente pobres, o Sarekat Islam (Liga Islâmica). Entre 1912 e 1916, essa organização tinha um milhão de membros, talvez até três ou quatro milhões. Foi um movimento popular muito grande, que surgiu espontaneamente e foi muito revolucionário. Até 1921, colaboramos com ele. Nosso partido, composto por 13.000 membros, entrou nesse movimento popular e realizou propaganda lá. Em 1921, conseguimos que o Sarekat Islam adotasse nosso programa. A Liga Islâmica também fez campanha nas aldeias pelo controle das fábricas e pelo slogan: “Todo o poder aos camponeses pobres, todo o poder aos proletários”. Então, Sarekat Islam fez a mesma propaganda que o nosso Partido Comunista, só que, às vezes, com outro nome. Mas, em 1921, uma divisão ocorreu como resultado de críticas torpes à liderança do Sarekat Islam. O governo, através de seus agentes no Sarekat Islam, explorou essa divisão e também explorou a decisão do Segundo Congresso da Internacional Comunista: Luta contra o pan-islamismo! O que eles disseram aos camponeses simples? Eles disseram: Veja, os comunistas não só querem dividir, eles querem destruir sua religião! Isso era demais para um simples camponês muçulmano. O camponês pensou consigo mesmo: perdi tudo neste mundo, devo perder meu céu também? — Nem pensar. Era assim que os simples muçulmanos pensavam. Os propagandistas entre os agentes do governo exploraram isso com muito sucesso. Então tivemos uma divisão. [Presidente: Seu tempo acabou.] Eu vim das Índias Orientais e viajei por quarenta dias. [Aplausos] Os islamistas de Sarekat acreditam em nossa propaganda e permanecem conosco em seus estômagos, para usar uma expressão popular, mas, em seus corações, eles permanecem com o Islã de Sarekat, com seu céu. Pois o céu é algo que não podemos dar a eles. Portanto, eles boicotaram nossas reuniões e não podíamos mais fazer propaganda. Desde o início do ano passado, temos trabalhado para restabelecer a ligação com Sarekat Islam. Em nosso congresso, em dezembro do ano passado, dissemos que os muçulmanos no Cáucaso e em outros países, que cooperam com os soviéticos e lutam contra o capitalismo internacional, entendem melhor sua religião, e também dissemos que, se quiserem fazer propaganda de sua crença, podem fazê-lo, embora não devam exercê-lo em reuniões, mas nas mesquitas. Perguntaram-nos em reuniões públicas: vocês são muçulmanos — sim ou não? Você acredita em Deus — sim ou não? Como respondemos a isso? Sim, eu disse, quando estou diante de Deus, sou muçulmano, mas, quando estou diante dos homens, não sou muçulmano, porque Deus disse que há muitos demônios entre os homens! [Muitos aplausos] Assim, impusemos uma derrota aos seus líderes com o Alcorão em nossas mãos, e, em nosso congresso no ano passado, obrigamos os líderes do Islã Sarekat, através de seus próprios membros, a cooperar conosco. Quando uma greve geral eclodiu em março do ano passado, os trabalhadores muçulmanos precisavam de nós, pois temos os ferroviários sob nossa liderança. Os líderes islâmicos de Sarekat disseram: Você quer cooperar conosco, então você deve nos ajudar também. É claro que fomos até eles e dissemos: Sim, seu Deus é poderoso, mas ele disse que nesta terra os ferroviários são mais poderosos! [Vivos aplausos] Os ferroviários são o comitê executivo de Deus neste mundo. [Risos] Mas isso não resolve a questão, e se tivermos outra divisão, podemos ter certeza de que os agentes do governo estarão lá novamente com seu pan-islamismo. Portanto, a questão do pan-islamismo é muito imediata. Mas agora é preciso primeiro entender o que a palavra pan-islamismo realmente significa. Já teve uma denotação histórica e significou que o Islã deve conquistar o mundo inteiro, com a espada na mão, e que isso deve ocorrer sob a liderança do califa, e o califa deve ser de origem árabe. Cerca de 400 anos após a morte de Maomé, os muçulmanos se dividiram em três grandes estados e, portanto, a Guerra Santa perdeu seu significado para todo o mundo muçulmano. Assim, perdeu o significado de que, em nome de Deus, o califa e a religião muçulmana deveriam conquistar o mundo inteiro, porque o califa da Espanha disse: Eu sou o verdadeiro califa, devo carregar a bandeira; e o califa do Egito disse o mesmo, e o califa de Bagdá disse: Eu sou o verdadeiro califa, já que sou da tribo árabe de coraixitas. Assim, o pan-islamismo não tem mais seu significado original, mas agora tem, na prática, um significado totalmente diferente. Hoje o Pan-islamismo significa a luta de libertação nacional, porque para os muçulmanos o Islã é tudo: não só a religião, mas também o Estado, a economia, a comida e tudo mais. E, assim, o pan-islamismo agora significa a irmandade de todos os povos muçulmanos, e a luta de libertação não só dos árabes, mas também dos indianos, dos javaneses e de todos os povos muçulmanos oprimidos. Essa fraternidade significa a luta de libertação prática não só contra o capitalismo holandês, mas também contra o capitalismo inglês, francês e italiano, portanto, contra o capitalismo mundial como um todo. Isso é o que o pan-islamismo significa agora na Indonésia entre os povos coloniais oprimidos, de acordo com sua propaganda secreta — a luta de libertação contra as diferentes potências imperialistas do mundo. Esta é uma nova tarefa para nós. Assim como queremos apoiar a luta nacional, também queremos apoiar a luta de libertação dos 250 milhões de muçulmanos muito combativos e muito ativos, que vivem sob as potências imperialistas. Portanto, pergunto mais uma vez: devemos apoiar o pan-islamismo nesse sentido? Então, eu termino meu discurso. [Muitos aplausos] Tradução: Luciana Leal

  • Entrevista de Marta Harnecker com Lorena Peña

    Entrevista de Marta Harnecker com Lorena Peña (Comandante Rebeca), das Forças Populares de Libertação “Farabundo Martí” — Quais são, na sua opinião, as principais reivindicações que deve levantar o movimento feminino revolucionário na América Latina? Há quem sustente que as dirigentes femininas salvadorenhas e nicaragüenses politizam demais os problemas da mulher, e não lutam ou consideram secundário lutar por reivindicações propriamente femininas. O que você pensa a respeito disso, agora que tem essa experiência da reunião de mulheres no México? — Sobre isso das principais reivindicações do movimento feminino revolucionário na América Latina, eu parto do pressuposto de que, naturalmente, suas primeiras reivindicações, as estratégicas, são as de transformação social, porque mantenho que todo esse pleito será em vão se não se luta por transformações profundas. É como se o operário só ficasse no nível da luta econômica. Não acredito que se deva separar a luta do movimento feminino da luta pelas transformações da sociedade. Essa é uma tarefa de homens, mulheres, jovens. Agora, contrapor as reivindicações das mulheres a essas é pior ainda. Evitá-las é um erro, mas é um erro maior ainda contrapô-las, porque aí você cai no jogo do feminismo burguês, que só briga por reivindicações de tipo imediato, setorial, e deixa de lado o problema de fundo, que não é nenhuma varinha mágica, mas é onde são criadas as condições básicas para poder falar de uma superação estável e duradoura da situação da mulher. Entre essas reivindicações que têm a ver com as transformações da sociedade, em nosso caso, está a demanda pela desmilitarização, a democratização da sociedade, a justiça econômico-social, a soberania nacional... a elas, é preciso agregar as reivindicações específicas da mulher, que não são devidamente consideradas: a igualdade de oportunidades no trabalho, a igualdade de salário, a socialização dos deveres no lar entre homens e mulheres, a criação de mecanismos transitórios de formação e capacitação de mulheres – por exemplo, das donas de casa – para que possam se desenvolver não só no trabalho político, mas nas empresas, no trabalho produtivo. Todas essas são demandas que as mulheres podem e devem levantar. O direito a participar plenamente em todo o desenvolvimento político, econômico e social me parece uma reivindicação justa. Do mesmo modo que, enquanto se transformam todas as condições, se criem condições de ajuda material para a mulher. Agora, não me venha dizer que a máquina de lavar me ajuda, porque aí você está partindo do pressuposto de que eu sou a encarregada de lavar a roupa. As lavadoras devem ser uma ajuda para resolver os problemas não da mulher, mas da família, que já é outro caminho. Por que o casal não pode compartilhar essa tarefa? Devem ser criados esses mecanismos transitórios, mas fazendo consciência que é de ajuda à família, ao homem e à mulher, na medida em que se constrói a igualdade de responsabilidades homem-mulher. O problema é que como tudo isso foi marcado pelo feminismo burguês, no caso da FMLN, há um tipo de alergia a tudo que sejam reivindicações da mulher, isso apesar de existirem umas quinze organizações de mulheres agora em El Salvador. As organizações cresceram, elaboraram teoria, têm posição sobre o problema da paz, da guerra, da justiça social, sobre seu problema particular e é tempo de incorporarmos isso. Eu sei que nós, as mulheres do FMLN, nos desinteressamos pelo problema da mulher. Ouvi cada declaração que me dá alergia. Até caímos na ridicularização da luta da mulher. Uma vez, ouvi uma compa dizer: “Não, primeiro é a revolução, e depois que o homem cozinhe”. E uma companheira que está em uma frente lhe respondeu: “Eu sei cozinhar muito bem, meu problema é como participo no desenvolvimento global da sociedade”. Há uma tendência em nós a dizer que primeiro é a luta pela revolução e depois a luta da mulher. Eu penso que elas devem ir juntas. Não sou partidária do feminismo “radical”, ao estilo burguês, mas essa afirmação de dizer que primeiro é uma coisa e depois a outra me parece ilógico e injusto, porque, como você vai afirmar que é preciso deixar o imediato pelo estratégico, quando é preciso combinar as coisas? *Trecho da entrevista com Lorena Peña (Comandante Rebeca), das Forças Populares de Libertação “Farabundo Martí”, realizada por Marta Harnecker, em Novembro de 1990, com o título "Os Desafios da Mulher Dirigente" **Tradução de Maria Júlia A. G. Montero.

  • Plataforma da Frente Única do Povo Colombiano - 1965

    Camilo Torres A todos os colombianos, aos setores populares, às organizações de ação comunitária, sindicatos, cooperativas, ligas camponesas, comunidades indígenas e organizações de trabalhadores, a todos os inconformistas, a todos os não alinhados aos partidos políticos tradicionais, apresentamos a seguinte plataforma para unificar os setores populares colombianos em objetivos concretos: Motivos 1) As decisões necessárias para que a política colombiana seja orientada para o benefício da maioria e não das minorias devem partir de quem tem o poder; 2) Os que possuem atualmente o poder real constituem uma minoria de caráter econômico que elabora e executa todas as decisões fundamentais da política nacional; 3) Essa minoria nunca produzirá decisões que afetem seus próprios interesses e nem os interesses estrangeiros aos quais está ligada; 4) As decisões necessárias para um desenvolvimento socio-econômico do país, em função das maiorias e pelo caminho da independencia nacional, afetam necessariamente os interesses da minoria econômica; 5) Essas circunstâncias tornam imprescindível uma mudança nas estruturas do poder político para que as decisões partam da maioria; 6) Atualmente, as maiorias rejeitam os partidos políticos e rejeitam o sistema vigente, mas não possuem um aparato político capaz de tomar o poder; 7) O aparato político que se organiza deve buscar o máximo apoio das massas, deve ter um planejamento técnico e deve ser construído em torno de princípios de ação mais do que em torno de um líder para evitar o perigo de panelinhas, demagogia e personalismo. Objetivos I - Reforma Agrária 1) A propriedade da terra pertencerá à pessoa que a está trabalhando diretamente; 2) O governo vai designar inspetores agrários para entregarem os títulos aos camponeses que se encontrem nestas condições, mas vão assegurar que a exploração da terra seja feita através de sistemas cooperativos e comunitários, segundo um plano agrário nacional, com crédito e assistência técnica; 3) A terra não será comprada de ninguém. O que for considerado necessário para o bem comum será expropriado sem indenização; 4) Os conselhos indígenas terão a posse real das terras que lhes pertencem. Também serão promovidos o desenvolvimento e o fortalecimento das comunidades indígenas. II - Reforma Urbana 1) Todos os habitantes das casas das cidades e vilas serão donos da casa onde moram. As pessoas que tenham apenas a renda da casa como fonte de subsistência podem mantê-la, mesmo que nela não vivam, desde que comprovem esta situação; 2) Qualquer habitação sem uso suficiente na opinião do governo, terá multa para o proprietário, que será investida pelo estado em seus planos habitacionais. III - Planejamento 1) Será feito um plano obrigatório com objetivos de substituir as importações, aumentar as exportações e industrializar o país; 2) Todo o investimento público ou privado terá de se submeter ao plano nacional de investimento. As operações em moeda estrangeira serão feitas exclusivamente pelo Estado. IV - Política Tributária 1) Um imposto progressivo será cobrado daqueles que recebem rendas superiores às exigidas por uma família colombiana média para viver decentemente (por exemplo, cinco mil pesos mensais, em 1965). O excesso de renda acima desse limite que não for aplicado nos setores indicados pelo plano oficial de investimentos reverterá integralmente para o Estado. Nenhuma instituição ficará isenta do pagamento do imposto. Os salários, até certo limite (por exemplo, cinco mil pesos mensais em 1965) não serão tributados. V - Nacionalizações 1) Bancos, seguradoras, hospitais, clínicas, centros de fabricação e distribuição de medicamentos, transporte público, rádio e televisão e exploração de recursos naturais serão do Estado; 2) O Estado proporcionará educação gratuita a todos os colombianos, respeitando a ideologia dos pais até o final do ensino médio e a ideologia do aluno após o ensino médio; 3) A escolaridade será obrigatória até ao final do ensino médio normal ou técnico. Haverá sanções penais para os pais que não cumprirem a obrigação de educar os filhos. O financiamento estará previsto no plano oficial de investimentos devido ao aumento da tributação; 4) A propriedade do subsolo será do Estado, assim como a exploração do petróleo, em prol da economia nacional; 5) As concessões de petróleo não serão concedidas a empresas estrangeiras, exceto nas seguintes condições: a) que a participação do Estado não seja inferior a 70%; b) que o refino, distribuição e produção de combustíveis sejam serviços públicos sob controle do Estado; c) que haja a devolução ao estado de empresas, equipamentos e instalações, gratuitamente, no prazo máximo de 25 anos; d) que os salários dos trabalhadores e empregados colombianos sejam pelo menos iguais aos dos estrangeiros da mesma categoria. VI - Relações Internacionais 1) A Colômbia manterá relações com todos os países do mundo e intercâmbios comerciais e culturais em condições de equidade e benefício mútuo. VII - Seguridade Social e Saúde Pública 1) O Estado implementará um plano de seguridade social abrangente e progressivo que garanta o direito da população à saúde e à assistência médica gratuita (sem prejuízo do exercício privado da profissão) e contemple todos os aspectos relacionados com o desemprego, invalidez, velhice e morte. Todos os profissionais de saúde serão funcionários do governo e serão pagos de acordo com o número de famílias (até o limite estabelecido por lei) que solicitarem estar sob seus cuidados. VIII - Política Familiar 1) Haverá penalidades para os pais de crianças abandonadas. A protecção da mulher e dos filhos será assegurada por lei através de sanções eficazes. IX - Forças Armadas 1) O orçamento das Forças Armadas será adequado à sua missão sem afetar as necessidades de saúde e educação dos colombianos. A defesa da soberania nacional estará a cargo de todo o povo colombiano. As mulheres terão a obrigação de prestar serviço cívico a partir dos 18 anos. X - Direitos das Mulheres 1) As mulheres participarão em pé de igualdade com os homens nas atividades econômicas, políticas e sociais do país. * Tradução de Elton Rodrigues, a partir do original "Plataforma del frente unido del pueblo colombiano"

  • 100 anos do assassinato de Rosa e Liebknecht

    Fundação Dinaco Reis Nascida na Polônia em 5 de março de 1871, Rosa Luxemburgo se tornaria uma da principais teóricas e militantes da história do marxismo. Suas contribuições ao marxismo viriam em múltiplas esferas: polemizando no interior da Social Democracia Alemã contra o revisionismo, contribuindo com a renovação do pensamento teórico, analisando o movimento de desenvolvimento do imperialismo e cumprindo destacado papel na reorganização do movimento comunista europeu e mundial após a traição dos principais dirigentes e organizações vinculados à Internacional Socialista. Rosa Luxemburgo foi assassinada em janeiro de 1919, junto com Karl Liebknecht, pelas forças do governo alemão, que contava com a colaboração da Social Democracia Alemã, cuja traição já havia sido denunciada por ela. Sua precoce morte não impediu que vida e obra servissem de exemplo e guia para comunistas e socialistas de todo o mundo. Nas palavras de Lênin, ela era a “a águia polonesa”. Num ambiente fortemente marcado por tradicionalismos e machismo, Rosa defendeu sua tese de doutorado ainda em 1898 e logo em seguida participou de intensa polêmica com o maior expoente do socialismo evolucionista, Eduard Bernstein. Opondo-se ao reformismo e defendendo a perspectiva revolucionária, Rosa afirmou: “Entre a reforma social e a revolução, a socialdemocracia vê um elo indissolúvel: a luta pela reforma é o meio, a revolução social é o fim”. Rosa foi presa em 1914 sob acusação de incitar a desobediência civil nas suas duras críticas à guerra e ao imperialismo, mas, mesmo presa, cumpriu importante papel junto à vanguarda da classe proletária alemã. Ironizando a postura das lideranças da Social Democracia europeia em relação à guerra afirmou: “Proletários de todos os países, uni-vos em tempo de paz e degolai-vos uns aos outros em tempo de guerra”. Em apoio ao processo revolucionário, escreveu A Revolução Russa, tecendo críticas aos bolcheviques, mas reconhecendo que: “Lênin, Trotsky e seus amigos foram os primeiros a dar o exemplo ao proletariado mundial. Eles são ainda os únicos que podem exclamar com Huten: Eu ousei! Eis o que é essencial e duradouro na política dos bolcheviques. Conquistando o poder e colocando praticamente o problema da realização do socialismo, fica-lhes o mérito imorredouro de terem dado o exemplo ao proletariado internacional e um enorme passo no caminho do ajuste de contas final entre o capital e o trabalho no mundo inteiro. Na Rússia, o problema não poderia ter sido senão colocado. E é nesse sentido que o futuro pertence em toda a parte ao bolchevismo”. Libertada apenas em 1918, esteve à frente da Liga Espartaquista e participou da fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Após a derrocada da revolução alemã, em 15 de janeiro de 1919, Rosa e os principais líderes do Partido foram presos e levados para interrogatório, jamais sendo vistos novamente. Rosa e Liebknecht foram executados e seus corpos jogados nas águas geladas de um canal em Berlim. Em texto publicado em 2005, o intelectual e militante marxista Nestor Kohan destacou, a respeito do assassinato dos líderes comunistas alemães e da traição da socialdemocracia: “Em 9 de novembro de 1918 (um ano depois da revolução bolchevique na Rússia) começou a revolução alemã. Foram dois meses de agitação ininterrupta. Depois de uma greve geral, os trabalhadores insurretos – dirigidos pela Liga Espartaquista – proclamaram a república, formaram conselhos revolucionários de operários e soldados. Enquanto Kautsky e outros socialistas mostravam vacilação, o grupo maioritário na social-democracia alemã (comandado por Friederich Ebert [1870-1925] e Philip Schleidemann [1865-1939]) enfrentou com violência e sem contemplações os revolucionários. Foi assim que Gustav Noske [1868-1947], membro deste grupo (o SPD), assumiu o Ministério da Guerra. A partir desse cargo e com a ajuda de oficiais do antigo regime monárquico alemão, organizou a repressão dos insurretos espartaquistas. Entretanto, o diário oficial social-democrata Vorwarts [Avante] publicava editais chamando os Freikorps – ‘corpos livres’, nome dos comandos terroristas da direita – para combaterem os espartaquistas, oferecendo-lhes ‘salário, teto, comida e cinco marcos extra’". Em 15 de janeiro de 1919, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo são capturados em Berlim pelos encolerizados soldados. Horas mais tarde são selvagemente assassinados. Pouco depois, León Jogiches [1867-1919], companheiro de amor e militância de Rosa Luxemburgo durante muitos anos, é igualmente assassinado. O corpo de Rosa, já sem vida, é jogado pela soldadesca em um rio. O seu cadáver foi encontrado em maio, cinco meses depois. A responsabilidade política que a social-democracia reformista teve no covarde assassinato de Rosa Luxemburgo e dos seus companheiros já nenhum historiador a discute. Esse ato de barbárie ficou como uma mancha moral que dificilmente se apagará com o tempo. Mas a memória imortal de Rosa, o seu pensamento marxista, a sua ética revolucionária e o seu inflexível exemplo de vida, continuam vivos. Afetuosamente vivos. Na ponte onde os seus assassinos arrojaram o seu corpo à água continuam a aparecer, periodicamente, flores vermelhas. As novas gerações, envolvidas em força na luta contra o capital globalizado e o imperialismo, não a esquecem.” Permanecem absolutamente atuais e necessárias as frases de Rosa: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos.” Publicação original em anamontenegro.org

  • O futuro passou por lá

    por Moacyr Grechi Para os que vivem na noite e estão voltados para os primeiros sinais da manhã – e tal é a atitude básica dos cristãos, esses vigiais da história, como os queria seu Senhor – a Nicarágua aparece hoje como um ponto de referência. Os tempos novos do continente já lançam para aqueles lados também seus clarões alvissareiros. Esse pequeno país, com seus 2 milhões e meio de habitantes, já se banha nos primeiros raios do Sol. Para quem entra nos seus 130 mil km vindo de outros países da América Latina, sobretudo dos países da América Central, como Guatemala, San Salvador e Honduras, a Nicarágua se apresenta como uma área libertada. Aí respira-se livre e descontraidamente. Essa é a primeira sensação que dá. Há algo de diferente no ar. Os soldados não fazem mais medo. O povo movimenta-se alegre e cheio de vida nas ruas. De fato, a revolução foi um empreendimento popular. Nela participou o povo todo, em massa: mulheres, estudantes, crianças. E é com justa razão que agora esses, que destruíram o cipoal da opressão somozista, semeiam agora no entusiasmo as sementes luminosas da justiça e da paz. O trabalho é árduo – pode-se ver – mas assumindo na liberdade e esperança. A revolução não veio grátis para ninguém. Custou a todas as camadas da população lágrimas, sangue e morte. Não foi tanto o povo nicaraguense que apoiou a Frente Sandinista. Antes é o contrário que é mais verdade. Foi a união dos revolucionários com o povo que propiciou a união entre as várias forças evolucionárias. De fato, a partir do momento em que o povo se tornou o centro dos projetos e estratégias, então se deu a união das diferentes tendências revolucionárias. E foi a partir da união dessas é que a insurreição se tornou invencível. Esse é o mais belo exemplo que dão os sandinistas a todos os que querem lutar pelo povo e a seu lado em nossa América Latina. Um traço para o qual um cristão se mostra particularmente sensível na revolução nicaraguense é seu caráter humanitário. A Frente Sandinista em momento algum da revolução quis recorrer à tortura como método de guerra. Já vitoriosa, não quis ceder ao espírito de revanche, quando o povo carregava ainda no seu corpo as feridas e o sangue da brutalidade da Guarda Nacional. Nem sequer com a pena de morte. E isso também representa um grande ensinamento para os que lutam por um futuro novo: o último gesto de uma revolução não é a violência, mas o perdão. Só assim se rompe a lógica da violência e se inaugura uma lógica diferente, adequada a uma nova sociedade. E essa é uma velha lição cristã (mas tão nova em sua prática): a violência só pode ser o último ato de uma sociedade bestial, mas só o perdão pode ser o primeiro ato, o ato de fundação, de uma sociedade realmente humana. Essa também foi uma revolução da religião, neste exato sentido: que a religião voltou a ser força histórica, fator de transformação. É preciso não perder de vista a novidade que aos olhos cristãos representa a revolução nicaraguense: pela primeira vez na história os cristãos participaram de forma massiva e decisiva no processo revolucionário e com o aval da hierarquia. E agora, no ingente esforço de reconstrução material do país, os cristãos estão sendo chamados a uma contribuição importante. Sobretudo os padres, devido à sua capacitação intelectual e crédito popular. Mas isso não vai sem tensões quanto ao lugar e limites do papel da Igreja nesta reconstrução. De todos os modos, a Igreja latino-americana aprendeu que seu compromisso não é com o poder, mas com o povo. A Igreja da Nicarágua está tentando, como entende e como consegue, viver a permanente opção pelos pobres num contexto de uma sociedade já libertada – de e em vias de libertação – para – só para lembrar as categoriais de Puebla. Não se trata de se opor ao poder sandinista só porque é poder. E nem de consagrá-lo, só porque sandinista. Trata-se de persistir na aliança sem retorno com o povo nicaraguense. A proximidade e a distância do poder só podem ser ditadas a partir do interesse do povo. A Igreja deixou de ser serva do poder, para ser serva do povo, como seu Senhor. A Igreja da Nicarágua está diante do difícil desafio histórico: o de dar ao mundo a demonstração de como opera a fé do Evangelho na fase pós-revolucionária. Mas não há dúvida: uma Igreja que soube como participar da revolução saberá também coo participar da construção de uma nova sociedade. (...) “Como não entendeis o tempo presente? Mas por que não julgais vós mesmos do que é justo? (Lucas, 13, 56-57) *Prefácio para o livro Nicarágua livre: o primeiro passo, de Frei Betto, 1980, Civilização Brasileira

bottom of page